São Paulo, terça, 29 de dezembro de 1998

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ARTIGO
A reestruturação das finanças internacionais

FERNANDO FERRARI FILHO
LUIZ FERNANDO R. DE PAULA

² A presente crise financeira mundial tem gerado um consenso em torno da necessidade de reestruturação do sistema financeiro internacional, como condição imprescindível para que a economia mundial possa voltar a experimentar períodos de expansão e prosperidade econômica. De fato, as instituições internacionais remanescentes do que restou do sistema de Bretton Woods, entre as quais o FMI, não têm mostrado capacidade de monitorar e solucionar a crise.
Se há um consenso em torno da necessidade de reestruturar o sistema monetário-financeiro, não se pode dizer o mesmo em relação aos mecanismos que devem ser implementados para eliminar as instabilidades dos mercados financeiros e cambiais e, consequentemente, solucionar a crise mundial.
Nesse particular, considerando que a dinâmica da economia global está atualmente marcada pela imprevisibilidade no comportamento das taxas de juros e de câmbio, reflexões acerca da análise pioneira e inovadora de Keynes podem ser de extrema utilidade para a articulação de um novo sistema monetário-financeiro internacional, capaz de superar a atual crise financeira e promover o crescimento econômico e o pleno emprego.
Keynes, há mais de 50 anos, por ocasião da conferência de Bretton Woods, propôs a criação de um sistema monetário internacional capaz de gerar, manter e distribuir a liquidez internacional voltada para a expansão da demanda agregada mundial. Para tanto, suas sugestões podem ser resumidas em três proposições básicas: 1) criação de um banco central mundial, emissor de uma moeda própria, como prestador de última instância; 2) regras monetárias e cambiais fixas, porém ajustáveis, previamente acordadas pelos países-membros do sistema monetário internacional; e 3) regulação, por parte dos bancos centrais nacionais, dos fluxos de capitais de curto prazo, para evitar que estes pudessem desestabilizar as instituições financeiras das economias.
Tendo como base essas proposições, a idéia central do que ficou conhecido como "plano Keynes" era tornar a moeda de reserva internacional -estável pelas regras de taxas de juros e de câmbio conhecidas e regulada pelo banco central mundial- um ativo não passível de entesouramento e especulação por parte dos agentes privados. Keynes preocupava-se, assim, em criar mecanismos institucionais supranacionais que, ao cercear o dinamismo instabilizador dos fluxos de capitais, pudessem reduzir as incertezas dos agentes econômicos em relação às suas decisões de gastos futuros.
Passadas cinco décadas, a grande ironia do mundo globalizado, em que vinha predominando o ideário neoliberal, com sua fé inabalável no livre funcionamento dos mercados e na livre mobilidade dos fluxos de capitais, é que a compreensão dessa crise financeira internacional e sua solução passam, essencialmente, pelas análises e propostas de Keynes, por anos contestadas pela ortodoxia econômica.
Mas o que pode ser feito para superar a atual crise? Indo ao encontro das proposições de Keynes, os esforços devem estar centrados na criação de uma unidade monetária internacional única, que, ao exercer as suas funções de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor, legitime as relações contratuais entre os agentes econômicos, balizando, assim, o sistema de pagamentos internacionais.
Para tanto, é imprescindível que o FMI (ou outra instituição) seja, muito mais do que um mero "observador" da performance das políticas macroeconômicas de ajustamento de curto prazo, um prestamista internacional de última instância para socorrer as economias nacionais que tenham dificuldades financeiras crônicas. Também deve ter o poder de regular a liquidez internacional, centrada numa unidade monetária internacional única.
Para a redução das incertezas inerentes à própria dinâmica da economia capitalista global, é necessária, ainda, a adoção de regras monetário-cambiais que evitem as oscilações abruptas e inesperadas das moedas nacionais conversíveis em relação à moeda internacional e mecanismos que desencorajem os influxos de capitais especulativos, que fragilizam as políticas econômicas nacionais.
Com base nessas idéias, entende-se que o sistema monetário internacional pode exercer de novo sua influência para manter a estabilidade dos preços e ativos e regular os ciclos econômicos. Espera-se que, na essência, as divergências de idéias e ações das nações não sejam impeditivas para que se tome uma decisão em torno da necessidade de reestruturação do sistema monetário-financeiro. Do contrário, parafraseando Keynes, "no longo prazo todos estaremos mortos".
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Fernando Ferrari Filho, 41, doutor em economia, é professor titular e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: ferrari@vortex.ufrgs.br
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Luiz Fernando Rodrigues de Paula, 39, doutor em economia, é professor-adjunto da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e coordenador do Núcleo de Finanças e Macroeconomia da Universidade Cândido Mendes.
E-mail: lpaula@ax.apc.org



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