São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O trabalho é nosso

BENJAMIN STEINBRUCH

Há 116 anos, milhares de trabalhadores em greve foram às ruas em Chicago, nos Estados Unidos, para protestar contra as condições desumanas de trabalho na já próspera indústria americana. Uma das reivindicações era a redução da jornada de 13 horas para 8 horas por dia.
Movimentos trabalhistas não eram muito comuns naquela época, e a polícia recebeu os manifestantes com extrema violência. Houve prisões, muitos manifestantes foram feridos e alguns, mortos.
Esse dia de protestos foi em 1º de maio de 1886. Três anos depois, num Congresso Socialista em Paris, foi instituído o Dia Mundial do Trabalho, até hoje comemorado nessa data em quase todo o mundo, seja capitalista ou socialista, exceto nos Estados Unidos, onde é celebrado em 2 de setembro.
Amanhã, por conta dessas comemorações, é feriado no Brasil. Não acho que o Dia do Trabalho deveria ser comemorado trabalhando, como costumam dizer alguns. A data merece ser lembrada por conta dos enormes avanços nas relações trabalhistas ocorridas nesses 116 anos, inclusive no Brasil.
Neste momento, porém, comemorações no Brasil não fazem muito sentido. Embora os direitos trabalhistas tenham sido quase todos mantidos por aqui, nos últimos anos houve um absoluto desinteresse por algo que deveria ser fundamental: a criação de novos postos de trabalho.
Na semana passada, foi notícia o desaparecimento de 103 mil empregos só na Grande São Paulo, em um único mês -março. São postos de trabalho que se vão, como já se foram milhões nos últimos anos, por causa de uma orientação equivocada na qual crescimento econômico e desenvolvimento representam mera consequência de políticas fiscais e monetárias e não objetivo básico.
Cerca de 2,1 milhões de jovens ingressam anualmente no mercado de trabalho, sendo 250 mil com diploma universitário. Para essas pessoas, conseguir um emprego, qualquer que seja, mesmo um estágio, é quase uma façanha. Essas escassas oportunidades decorrem da passividade com que os empreendedores foram tratados nesses anos de estabilização econômica. O governo teve vergonha de apoiar setores nacionais competitivos. Para não parecer retrógrado nos tempos da globalização, abandonou as empresas nacionais à sua própria sorte, sem capital, sem crédito de longo prazo, expostas a juros exorbitantes e a uma carga tributária elevadíssima.
A consequência disso foi a desnacionalização generalizada, com empresas brasileiras sendo vendidas ao capital estrangeiro, um movimento que ainda não terminou. Ao mesmo tempo, lá fora, com crédito farto e barato, as companhias concorrentes das brasileiras ganhavam todas as benesses oficiais.
Não temos muito a comemorar no Dia do Trabalho porque milhões de nossos empregos foram exportados. Quando os setores competitivos brasileiros não são incentivados, eles perdem mercado internacional e até nacional para os concorrentes. Assim, os empregos que poderiam ser criados aqui são criados lá fora.
O Brasil ainda dispõe de nichos empresariais internacionalmente competitivos. A indústria aeronáutica, com a liderança da Embraer, é um exemplo de que podemos concorrer com os estrangeiros também em áreas de alta tecnologia. Mas há vários outros setores, como celulose, siderurgia, mineração, agronegócios, têxtil e de calçados, que enfrentam e enfrentarão sem receios o desafio do mercado externo se tiverem condições semelhantes às de seus concorrentes estrangeiros.
As autoridades do governo, com honrosas exceções, reagem hoje com um tom blasé às demandas de estímulo à produção, ao crescimento econômico e à criação de empregos. É lamentável que sejam assim insensíveis à importância do trabalho como elemento de combate à pobreza, de inserção social, de cidadania e de realização individual.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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