São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONFLITO INTERNO

Relações da Fazenda com banco ficaram tensas com saída de Palocci

Bevilaqua lidera resistência do Banco Central a Mantega

SHEILA D'AMORIM
KENNEDY ALENCAR

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A relação entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central funciona como fios desencapados: qualquer atrito pode gerar um curto-circuito. Guido Mantega não comunga da tese conservadora da cúpula do BC, que trabalha sempre com pé no freio quando tem de decidir a trajetória dos juros no país. Do lado do BC, o foco de resistência é muito mais o diretor de Política Econômica, Afonso Bevilaqua, do que o próprio presidente, Henrique Meirelles.
Depois de ameaçar sair do cargo pelo menos duas vezes nos últimos anos, Bevilaqua vinha negociando com Meirelles sua substituição desde o início de 2006. Aproveitaria a já acertada saída de Alexandre Schwartsman, diretor de Assuntos Internacionais, e o cenário relativamente tranqüilo para fazer a transição.
Os diretores do BC foram a campo em busca de nomes no mercado financeiro para substituí-lo, mas as denúncias que derrubaram Antonio Palocci Filho do comando da Fazenda atropelaram o plano original. E foram necessárias algumas adaptações.
Segundo a Folha apurou, inicialmente Bevilaqua seria substituído por Mário Mesquita, do ABN Amro, enquanto para o lugar de Schwartsman iria Paulo Vieira da Cunha, ex-HSBC e professor da Universidade de Columbia. No entanto, com a nomeação de Mantega para o lugar de Palocci, as avaliações dentro do governo foram que a saída de Bevilaqua -que desde o início do governo assumiu o papel de símbolo do conservadorismo do Copom- enfraqueceria o BC, dando espaço para especulações sobre mudanças na política econômica. Era tudo o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não queria.
Para integrantes do governo, Mantega, mais alinhado com as posições desenvolvimentistas de Dilma Rousseff (Casa Civil) do que ao monetarismo do antecessor, precisaria de tempo para ganhar credibilidade no mercado. Assim, a manutenção de Bevilaqua foi tentativa de indicar que a política monetária é intocável.
No entanto, os convites a Mário Mesquita e Paulo Vieira da Cunha já tinham sido feitos. A solução foi sacrificar o diretor de Normas, Sérgio Darcy, e transferi-lo para a presidência da Centrus, o fundo de pensão dos funcionários do BC. Para o lugar dele foi Alexandre Tombini, que estava na diretoria de Pesquisa Econômica. Para essa vaga irá Mesquita.

Resistência
Bevilaqua, por sua vez, ficou e reforçou sua resistência às críticas de excesso de conservadorismo vindas da Fazenda e de ministros como Dilma. Com a ida de Joaquim Levy, ex-secretário do Tesouro Nacional, para o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), saiu de cena seu maior inimigo na área econômica.
Segundo interlocutores do governo, a posição do diretor é que, se não foi demitido até hoje, depois de tantos bombardeios, então ele conduzirá seu trabalho como acha que deve ser. Mas também não está disposto a ficar apanhando gratuitamente nem admite ser desrespeitado. Por isso, a cada discurso de Mantega considerado fora do tom, Meirelles age para evitar que o atrito se amplie.
O problema é que, se Mantega não tem tanta força política quanto Palocci, Meirelles também está construindo uma nova relação com o presidente Lula. Nas últimas semanas, ele convenceu o presidente de que a queda mais lenta dos juros não impedirá o país de chegar ao auge da disputa eleitoral com uma das taxas reais mais baixas dos últimos tempos.
Para tentar se contrapor aos argumentos de que a expectativa de inflação deste ano abaixo da meta de 4,5% são a prova de que o BC exagerou na dose de juros, Meirelles justificou que isso será corrigido porque o aumento dos gastos públicos neste início de ano irá fazer a inflação subir um pouco, atingindo o nível desejado.
Além do aumento do salário mínimo, o governo corrigiu a tabela do IR (Imposto de Renda), reajustou acima da inflação benefícios previdenciários com valor acima de um salário mínimo e desonerou alguns setores produtivos. Todas as medidas representam aumento de dinheiro na mão dos consumidores e empresários.


Texto Anterior: Luís Nassif: Adolf Berle Jr. e a diplomacia do dólar
Próximo Texto: Vizinhos: Lula perde liderança do eixo sul-americano para Chávez
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.