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VIZINHOS
Alinhamento Caracas/Brasília/Buenos Aires, chamado de "eixo do bem" por Darc Costa, ex-BNDES, tem esvaziamento
Lula perde liderança do eixo sul-americano para Chávez
Jorge Adorno - 19.abr.2006/Reuters
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Os presidentes Tabaré Vázquez, do Uruguai (esq.), Hugo Chávez, Nicanor Duarte, do Paraguai, e Evo Morales em encontro no Paraguai
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Um eixo Caracas/Brasília/Buenos Aires, a ser estruturado em
torno do mega-gasoduto que iria
de Puerto Ordaz (Venezuela) ao
rio da Prata (Argentina), passando pelo Brasil, não é exatamente
uma idéia nova.
Em 2004, quando o BNDES era
chefiado por Carlos Lessa, então o
nicho nacionalista do governo
Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente do banco, Darc Costa,
sonhava com o que chamava de
"eixo do bem", e dizia à Folha:
"Se houver o alinhamento Caracas/Brasília/Buenos Aires, o resto
da América do Sul cai por gravidade".
A novidade nessa história está
dada pelo presidente que agora
toma a iniciativa de reapresentar,
com uma roupagem mais concreta ou mais megalomaníaca, segundo os críticos, o eixo supostamente do bem. Chama-se Hugo
Chávez Frias, preside a Venezuela, e não o Brasil.
Na prática, o principal resultado
da série de reuniões desta semana
entre mandatários sul-americanos foi a consolidação de uma
mudança de líderes: sai Lula, obscurecido pelo conservadorismo
de seu governo e pela relativa paralisia provocada pelos sucessivos
escândalos, e entra Chávez.
Mas é bom qualificar a liderança: na prática, trata-se apenas da
liderança das vozes dissonantes
em relação ao modelo dito neoliberal que foi absolutamente hegemônico nos anos 1990 e princípios do novo século.
A liderança regional será sempre do Brasil, com qualquer presidente, pelo tamanho do país, de
sua população e de sua economia.
No máximo, disputando com o
México, que, no entanto, é dependente demais dos Estados Unidos
para voar por conta própria, ainda que as eleições de julho sejam
vencidas por Andrés Manuel Lopez Obrador, o mais esquerdista
dos candidatos principais.
A ascensão de Chávez já ficara
evidente no fim do ano passado,
durante a Cúpula das Américas,
em Mar del Plata (Argentina).
Foi o único presidente a ter um
pé em cada lado do perímetro de
segurança, sempre montado nessas ocasiões. Ficou do lado protegido, mas falou também, em estádio de futebol, aos inimigos do
modelo neoliberal e da Alca (Área
de Livre Comércio das Américas).
Lula fez papel discretíssimo, do
lado de dentro e zero do lado de
fora.
A multidão de ONGs que participou da contra-cúpula deixou
claro que, embora ainda mantivesse alguma expectativa em relação a Lula, já deslocara suas fichas
para Chávez.
Mas a comparação entre as reuniões desta semana e Mar del Plata joga contra a retórica integracionista de Chávez.
Em São Paulo, Chávez disse,
após o encontro com Lula e o argentino Néstor Kirchner, que eles
eram os "três mosqueteiros".
Já seria um lugar comum se a
imagem fosse usada pela primeira
vez. Mas era a segunda, com um
problema adicional: em Mar del
Plata, os "mosqueteiros", sempre
segundo Chávez, eram cinco (aos
três de São Paulo somavam-se,
então, os presidentes do Uruguai
e do Paraguai).
Tudo porque os quatro do Mercosul e mais Chávez fecharam posição contra a proposta norte-americana, mas vocalizada pelo
México, de retomar as negociações da Alca em abril (de 2006).
Proposta apoiada pelos outros 29
países das Américas.
Já em São Paulo, os dois sócios
menores do Mercosul estavam
ausentes, irritados pelo que consideram descaso dos dois grandes
(Argentina e Brasil) para com
eles. No caso do Uruguai, mais
que irritação havia fúria por causa
da resistência argentina em aceitar a instalação de duas fábricas
de celulose na divisa entre os dois
países.
Não é apenas pelas baixas no
grupo dos "mosqueteiros" que se
mede a imensa dificuldade para
compor o "eixo do bem" inicialmente antevisto pelo BNDES de
Lula e, agora, comandado por
Chávez.
Há o fato de que um quarto
"mosqueteiro" potencial, o boliviano Evo Morales, entrou em rota de colisão com o Brasil, em torno não só da siderúrgica EBX, virtualmente expulsa do país, mas
também em torno do papel da Petrobras no país vizinho.
Não é um conflito simples, a julgar pelo que diz Francisco Fernández Buey, boliviano que leciona Filosofia na Universidade
Pompeu Fabra (Barcelona) em
artigo para "El País".
"É a primeira vez na história da
América Latina em que são abordados conjunta e simultaneamente -e, ademais, do ponto de
vista dos de baixo- os dois grandes problemas [do país]: o problema econômico e social (marcado pelas desigualdades e pela
existência de importantes faixas
de pobreza) e o problema nacional, ou seja, a articulação alternativa, com critérios igualitários e
solidários, das diferenças lingüísticas, culturais e étnicas."
É uma alusão ao suposto uso
dos recursos naturais para um
projeto de desenvolvimento mais
igualitário e a uma Constituinte
para tentar atender os reclamos
da região de Santa Cruz de la Sierra (menos indígena e mestiça) por
mais autonomia, sem perder a
unidade nacional.
Posto de outra forma, Morales
não está interessado no eixo com
Caracas/Brasília/Buenos Aires,
mas no seu próprio eixo interno,
étnico, territorial e social.
Joga contra também a relativa
solidão dos agora "três mosqueteiros". Enquanto o governo brasileiro insistia em que a crise das
papeleiras fosse resolvida no âmbito bilateral e, portanto, regional,
Kirchner dizia a jornalistas argentinos que já em maio leva o caso à
Corte Internacional de Haia -sinal de que os "mosqueteiros" de
Mar del Plata precisam de fontes
externas para resolver suas pendências.
Mais: enquanto o Brasil pensa
na Comunidade Sul-Americana
de Nações, que reuniria todos os
países sul-americanos, inclusive
as Guianas, como uma soma dos
vários blocos já existentes, Chávez
dinamitava um dos blocos, a CAN
(Comunidade Andina de Nações), porque Colômbia e Peru
preferiram o "eixo" com o Norte
(os Estados Unidos) ao eixo do
Sul, ainda um sonho -ou um pesadelo, conforme os críticos da diplomacia brasileira, cada vez mais
numerosos e estridentes.
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