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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

A autocrítica que não foi feita

Quando se fechou o acordo com o FMI, em fins de 1998, o ex-ministro Pedro Malan, pela primeira vez, ousou afrontar o órgão. E o fez na direção errada, resistindo a flexibilizar a política cambial na época. A autocrítica do FMI em relação ao caso brasileiro foi a de não ter endurecido o jogo, sabendo que a política cambial em vigor não tinha sustentação.
Seria importante recuperar a discussão econômica na época. Essa loucura foi sustentada em cima de argumentos primários, de supostos especialistas, que ganharam poder e influência unicamente pela falta de critérios da mídia na escolha de fontes.
Havia dois grupos de analistas em um debate complexo. Quem arbitrou a polêmica foi a mídia, ao apostar no lado errado. Houve exceções, entre as quais a própria Folha. Mas no geral as manchetes, as ênfases, os editoriais privilegiavam fontes em permanente disponibilidade com nível de argumentação raso, incapazes de análises autônomas. Devem estar maldizendo até hoje não terem tomado conhecimento do relatório do FMI na época, a tempo de mudar de opinião.
Alertas de economistas como Ibrahim Eris, Delfim Netto, Cláudio Haddad, Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Yoshiaki Nakano, Luiz Carlos Bresser Pereira, Maria da Conceição Tavares, Luiz Paulo Rosenberg, alguns entre os que estavam de fora, e José Serra e irmãos Mendonça de Barros, entre os que estavam do lado de dentro, foram deixados de lado, substituídos por meia dúzia de consultores sem um pingo de visão estruturante, sem conhecimento da lógica dos modelos, expressando-se por slogans.
Desvalorizar ou não o câmbio não é opção ideológica. É questão de saber avaliar corretamente se a economia resiste ou não a um câmbio apreciado. Tudo isso foi substituído por argumentações sem sentido, mundanas.
O que diziam era, depois, repetido nas TVs e jornais por analistas, com uma segurança incomum. O sujeito aderia às posições do grupo porque se sentia "moderno", em linha com a contemporaneidade. A ignorância foi glamourizada.
Esse alarido da mídia provocou o efeito manada nos departamentos econômicos das instituições financeiras, em um processo de auto-alimentação do engano. Mesmo aqueles economistas que sabiam que o câmbio não iria resistir preferiram ficar na posição cômoda de errar com a maioria.
O país pagou caro por isso, mas as lições não foram aprendidas. A preguiça na seleção de fontes, a falta de conhecimento para separar o consistente do vago preservaram toda a tripulação do Titanic. Estão todos aí, repetindo novos slogans, tão vazios quanto os que foram esquecidos pelo tempo.
O FMI já fez a sua crítica. E os outros?

Síndrome do boné
Tem razão Clóvis Rossi: há um superdimensionamento das manifestações de grupos organizados. Lembra muito o que ocorreu no início do governo Franco Montoro. A posição do núcleo central do governo Lula a respeito dos movimentos tem sido firme contra os abusos. O que existe é o mercado velho de guerra, que, depois de ter "valorado" o país, entrou em processo de ajuste de preço e inverteu a mão, substituindo o otimismo exuberante pelo pessimismo inexplicável.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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