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RUBENS RICUPERO
Vinte e sete anos atrás
Estaríamos voltando à conjuntura inflacionária mundial como terapêutica para a economia americana?
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O OURO vem de atingir a mais
alta cotação em 27 anos. Isso
nos retroage a 1980, final do
governo Carter, quando a inflação
americana chegou ao topo de 11%.
Não tardou para que Paul Volcker,
presidente do Federal Reserve, aumentasse os juros a dois dígitos,
precipitando a América Latina na
crise da dívida, na qual deixou anéis
e vários dedos.
Estaríamos voltando à conjuntura mundial inflacionária, não por
acidente, mas como terapêutica para a economia americana? É o que
ouço de amigos suíços dos meios financeiros.
Não foi surpresa para eles a redução de meio ponto nos juros dos Estados Unidos. Inflacionar a economia sempre foi tentação quase irresistível para um país se livrar da
montanha de dívidas domésticas e
externas. O gostinho é mais delicioso quando a conta do ajuste é paga
por estrangeiros, credores e concorrentes, sob a forma de moedas valorizadas, de créditos e reservas rebaixados.
Impensável devido à irresponsabilidade? Só para quem esqueceu da
frase sobre o dólar de Connally, secretário do Tesouro de Nixon: "Our
currency but your problem" ("A
moeda é nossa, mas o problema é
vosso").
Eu vivia em Washington e lembro
bem da época, de como, por exemplo, a Guerra do Vietnã parecia que
nunca ia acabar. Como esta, do Afeganistão-Iraque, tinha já durado
mais que a Primeira Guerra Mundial. Como agora, os gastos militares agravavam o duplo déficit orçamentário e externo. Também havia
bolha imobiliária, da qual provei
pessoalmente os efeitos.
Da mesma forma, o preço do petróleo explodia. No dia do recente
corte dos juros, o barril do cru superou US$ 82 e o novo patamar "natural" passou a ser US$ 80. Não será
com o bombardeio israelense da Síria e as ameaças de Bush-Sarkozy ao
Irã que ele vai baixar.
Os metais continuam nas nuvens,
o trigo nem naquele tempo esteve
tão caro, o milho e a soja sobem por
efeito do álcool. A China acaba de
decretar congelamento para segurar a inflação. O engenhoso expurgo
de alimentos e energia -afinal, o
que conta no bolso do consumidor- faz os preços parecerem moderados, mas os ativos não enganam. O excesso de liquidez produz
bolhas nos imóveis, nas ações, nas
commodities e no índice Ibovespa,
da Bolsa de Valores de São Paulo.
Deixei um país abalado e, ao voltar em 1991, como embaixador,
reencontrei nação vitoriosa na
Guerra do Golfo, autoconfiante e
afirmativa. A estratégia do ajuste
funcionara. O desabamento dos
preços de 1986 aniquilou os países
petrolíferos. Um ano antes, o acordo do Plaza obrigara europeus e japoneses a engolirem a desvalorização do dólar. A explosão da Bolsa nipônica em 1990 liquidou a ameaça
do Japão "number one".
Quem vai ficar com a fatura desta
vez? Os europeus já começaram a
pagar mediante a valorização do euro e a perda de exportações. A China
foi surda aos apelos sobre a moeda,
mas ela que se cuide. A queda drástica do dólar pulveriza boa parte de
suas reservas e encolhe o mercado
ianque.
Se acabar a inflação baixa com liquidez farta, vai sobrar para todos. O
Brasil inclusive, que, graças ao mais
generoso dos bancos centrais, contribui para a inflação de ativos ao
deixar especuladores ganharem fortunas à custa de nossos juros. No segundo trimestre, as especulações
em real foram recorde mundial,
com aumento de 32% (dados do
Banco de Basiléia). É esse lixo tóxico
que os trouxas chamam "investimento estrangeiro".
RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da
Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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