São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Sobre leite, batatas e juros


Não há alta geral de preços, há ainda dúvida sobre "excesso" de consumo e sobre a duração da carestia da comida no país

O ESPECTRO da inflação da agricultura, "agflation", está à solta no mundo. Mexicanos reclamam da tortilha cara, franceses, da baguete, e italianos, do macarrão. A agrinflação permeia também o debate brasileiro sobre preços e juros.
A comida teve o peso mais importante na alta da inflação brasileira de 2006 para 2007, é sabido. "Leite e derivados" vão à frente, com "tubérculos, raízes e legumes" e "aves e ovos" no segundo posto, embora o leite tenha pesado cerca de três vezes mais que cada um desses outros grupos de produtos. No Brasil, o caso pior é o da lactoinflação.
Embora a exportação brasileira de leite e derivados seja pequena, além de o leite não ser um produto negociado como grãos no mercado global, o preço mundial desses produtos subiu 40% neste ano, segundo dados elaborados pelo Dieese. No Brasil, os lácteos ficaram 35% mais caros, contra 2% em 2006.
Discute-se o fator mais relevante no aumento do leite (e comida em geral), se a alta do consumo mundial, o tempo ruim ou o desânimo do produtor nacional com os preços dos últimos anos, que contiveram o ritmo de aumento da produção.
O aumento do consumo dos mais pobres no Brasil decerto deve ter tido papel importante. Também devem ter influenciado o preço de "tubérculos, raízes e legumes", em alta de 21,5% no ano (queda de 34% em 2006). Sim, trata-se de abóbora, batata, chuchu, cebola e mandioca. Aves e ovos subiram menos, 9%, mas pesam mais na cesta de consumo e, pois, no IPCA. As exportações nacionais de frango são importantes.
O preço médio da venda externa desse produto cresceu 21% no ano e o das vendas brasileiras de milho subiu 36%. O milho dispara devido à alta de consumo global, influenciada pelo ineficiente álcool americano, feito com o grão. As carnes, que na média mundial consistem de grãos sobre quatro patas, são o próximo item do ranking do aumento da inflação de 2006 para 2007 -e o Brasil exporta cada vez mais carne.
Por que a minúcia sobre frangos, chuchus e milho? Parece evidente que grãos mais caros no mundo e o povo a comer mais, até no Brasil, tendem a pressionar a inflação.
O quanto, e por quanto tempo, é o nó da questão. Nem todo preço dispara, nem mesmo o da comida, nem em serviços. Sim, a média de aumentos elevou-se de 2006 para 2007; o preço da comida depende ainda de custos como salários.
Mas, apesar dos recordes globais, ainda não se conhece o efeito de preços maiores sobre o aumento da produção, e há analistas no mercado mundial que já estimam queda forte no preço do trigo (sim, estimativas econômicas são o que se sabe). O preço doméstico do leite se aquieta um pouco, e é esperada mais reação dos produtores. É mais complicada a situação de trigo e milho, que não é só insumo de carnes, mas da cadeia industrial de muitos alimentos.
O Banco Central ressaltou no seu relatório trimestral que a inflação da comida tende a contaminar com mais força a expectativa geral de inflação. Mas ainda há dúvida sobre "excesso" generalizado de consumo.
Uma pausa de uns três meses no corte de juros, de mísero 0,25 ponto percentual, não vai fazer lá grande diferença. Porém, espraiar a fobia de inflação também não é razoável.

vinit@uol.com.br


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