São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mão-de-obra degradante migra para o interior de SP

Com aperto da fiscalização, oficinas clandestinas se instalam fora da capital

Confecções que empregam de forma irregular já foram identificadas em cidades como Americana, Araçatuba, Indaiatuba e São Roque

DA REPORTAGEM LOCAL

A exploração da mão-de-obra de bolivianos em situação irregular no país está migrando da região metropolitana para o interior paulista, após a fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho de São Paulo intensificar a sua atuação para coibir a prática e regularizar o trabalho desses estrangeiros.
Americana, Araçatuba, Indaiatuba e São Roque são algumas das cidades em que os fiscais e o Sindicato das Costureiras de São Paulo já identificaram a instalação de confecções ou oficinas que empregam mão-de-obra irregular.
Além da migração para o interior, o perfil de quem explora os bolivianos está mudando. "Ainda há empregadores de origem estrangeira, como sul-coreanos, mas hoje os bolivianos regulares abrem microempresas e dão vagas aos conterrâneos irregulares", diz Regina Haddad, fiscal do Trabalho. "O salário deles está longe do piso de R$ 659 garantido à categoria", afirma Eunice Cabral, presidente do sindicato.
Um tradicional lojista do Brás, que prefere não se identificar, diz que outra forma encontrada por essas oficinas de escoar a produção é via camelôs e feiras clandestinas, como a que ocorre de madrugada na rua Oriente e imediações.
"Como temem serem denunciados à Polícia Federal, eles se sujeitam a qualquer trabalho. Recebemos em média 30 denúncias por mês. São bolivianos que contam que tiveram os documentos apreendidos, relatam receber R$ 50 por mês e temem denunciar os patrões por sofrerem ameaças", diz Paulo Illes, coordenador-geral do Centro de Apoio ao Migrante.
Bolivianos que estão irregulares no país e trabalham em condições insalubres relataram à reportagem que preferem trabalhar dessa forma a "passar fome" em seu país. "Aqui pagam pouco, não tem registro em carteira. Mas é melhor do que lá", diz Juan (o nome é fictício porque teme sofrer represálias). Ele afirma cumprir jornada das 7h às 22h, de segunda a sexta. Aos sábados, trabalha das 7h às 12h. Recebe R$ 0,50 por peça costurada e envia parte do pagamento à família.
Na Barra Funda, um falso estabelecimento comercial é usado para ocultar duas oficinas clandestinas. Famílias de bolivianos, com crianças, moram e trabalham no local. O Ministério Público do Trabalho investiga o caso e deve tomar em breve medidas jurídicas contra os que exploram os estrangeiros.
Para o juiz do Trabalho Marcos Neves Fava, as condições de trabalho dos bolivianos são similares às dos chineses. "É um padrão de emprego chinês. Salários baixos, jornadas longas e sem direitos." No final de 2005, ele atendeu a um casal boliviano, num fórum da cidade, cujos documentos foram presos pelo empregador. Eles costuravam três peças inteiras por um prato de comida. Após fugirem de uma oficina, abriram uma ação. "Nós falamos do trabalho análogo ao escravo no Pará, mas tudo isso ocorre aqui debaixo do nosso nariz." (CLAUDIA ROLLI e FÁTIMA FERNANDES)

Texto Anterior: Vinicius Torres Freire: Sobre leite, batatas e juros
Próximo Texto: Redes dizem agir contra trabalho irregular
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.