São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

É hora de movimentos próprios!


Temos de nos antecipar à crise e optar pelo estímulo a setores que possam ajudar a sustentar o crescimento

É PENA QUE a síntese dos indicadores sociais brasileiros do ano passado tenha sido apresentada numa semana de crise financeira mundial aguda, que dominou a atenção da mídia. Digo isso porque, se ampliasse a discussão sobre seus avanços e percalços do passado, o país tenderia a tomar decisões mais acertadas no presente.
Mesmo correndo o risco de aborrecer o leitor com números, vale citar alguns que indicam avanços na área social: a) As condições de vida da população em geral melhoraram muito nos últimos dez anos. Em 1997, 31,6% das famílias estavam abaixo da linha de pobreza. Em 2007, esse número havia caído para 23,5%.
b) O índice de analfabetismo caiu de 14,7% para 10% nesses dez anos.
c) A taxa de mortalidade infantil baixou de 35,2 para 24,3 por mil nascidos vivos. Em 1997, os brasileiros com 15 anos ou mais haviam freqüentado a escola, em média, durante 5,8 anos. Em 2007, essa taxa de escolaridade aumentara para 7,3 anos.
d) A esperança média de vida do brasileiro que nasceu em 2007 era de 72,7 anos, 3,4 anos a mais do que os nascidos em 1997.
e) 50,7% dos trabalhadores já contribuem para a previdência, índice recorde desde os anos 90. Isso reflete a formalização do trabalho. f) Em 2007, a renda média mensal dos assalariados de dez anos ou mais cresceu 3,2% e chegou a R$ 956 -foi o terceiro ano seguido de ganho real.
g) O índice Gini, que mede a distribuição da renda, melhorou muito, passando de 0,580 em 1997 para 0,528 em 2007 (quanto mais perto de zero, melhor é a distribuição).
h) Mais da metade dos 56 milhões de domicílios no país tinham esgoto em 2007, índice inédito, e 98,2% tinham luz elétrica. As razões desses avanços são óbvias: crescimento da economia e do emprego, aumento da renda e programas sociais. A crise aguda global, agravada ontem com a rejeição do pacote de US$ 700 bilhões nos EUA, é uma ameaça à continuidade desse processo, porque o Brasil corre o risco de ter de reduzir o crescimento.
É pena, porque apesar das melhorias, outros dados indicam o largo caminho que ainda temos a percorrer: há 30,7 milhões de analfabetos funcionais (assinam o nome mas não entendem o que lêem), 14,1 milhões de pessoas acima de 15 anos são totalmente analfabetas e o trabalho infantil atinge 4,8 milhões de crianças. E as desigualdades de renda são enormes. Não é hora para excessos de otimismo. Mas é bom saber que o economista Jim O'Neill, criador da expressão Bric, acha que o consumo dos emergentes pode manter a economia mundial ainda crescendo 3,5% ao ano.
Além disso, a dependência brasileira do mercado americano também não é tão grande como no passado. No primeiro semestre, o país exportou US$ 13 bilhões para os EUA e US$ 20 bilhões para países da América do Sul. Como disse a economista Maria da Conceição Tavares, "los hermanos são mais importantes do que o big brother".
O próprio BC, que vinha atirando na demanda, fez um movimento na semana passada no sentido de estimular o crédito. Ufa! Nem tudo está perdido, mas há muito por fazer. Temos de nos antecipar à crise e optar pelo estímulo a setores como construção civil, energia e infra-estrutura, para que sejam porta-estandartes da nova fase. Programas especiais do tipo "quem casa quer casa" e "o primeiro carro", por exemplo, ajudariam a sustentar o crescimento. Independentemente do que ocorre em Wall Street, a hora é de movimentos próprios, não de ficar chorando na sarjeta.


BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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