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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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MERCADO DE TRABALHO

Não-optantes do FGTS em 67 já passaram por 5 planos econômicos e 10 mudanças de moeda

Após 36 anos, empregados estáveis resistem

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles vivenciaram duas Constituições e sobreviveram a cinco planos econômicos. Passaram por nove presidentes e dez mudanças de moeda.
Hoje, às vésperas de uma faxina da CLT prometida por um presidente ex-operário, são o símbolo de um mercado de trabalho que deixou de existir há 36 anos.
Trata-se dos trabalhadores que, de 67 a 88, foram não-optantes do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Não há estimativa de quantos existem hoje no país, mas o consenso é de que são muito poucos.
Explica-se: em 1967, quando o FGTS -aprovado por lei em 1966- passou a vigorar, o governo permitiu que o trabalhador escolhesse entre o fundo de garantia e a estabilidade no emprego.
Até então, todas as pessoas que passassem dez anos trabalhando em uma mesma empresa não podiam ser demitidas sem que o empregador comprovasse justa causa na Justiça.
Podiam também ser mandadas embora em casos extremos, como falência da empresa, por exemplo, mas, se isso ocorresse, recebiam uma indenização dobrada -dois salários por ano trabalhado. Por outro lado, se pediam demissão, não recebiam nada.
A maioria esmagadora dos trabalhadores optou pelo FGTS -mesmo porque a pressão para que optassem foi muito grande por parte das empresas e, indiretamente, por parte do governo.
"O trabalhador teve possibilidade entre aspas, ele foi quase instado a optar. As empresas tinham empregados estáveis e com a lei do FGTS elas podiam dispensá-los", afirma a advogada trabalhista e conselheira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade.
Mesmo assim, alguns poucos resistiram e preferiram continuar no regime antigo, tornando-se não-optantes do fundo, sinônimo de emprego garantido.
Isso foi permitido de 67 a 88, quando a nova Constituição pôs fim à dualidade de sistemas.
No entanto, ainda há casos raros de quem ainda está na ativa, após atravessar décadas sem optar pelo FGTS voluntariamente e sem mudar de empresa.
Após 1988, eles ganharam contas de FGTS e, ao menos formalmente, perderam a estabilidade. No entanto algumas decisões judiciais ainda reconhecem esse direito dos antigos não-optantes.
Presidente do conselho de administração da FRB-Par, controladora da Varig, por cerca de dois meses, Gilberto Rigoni, 67, foi um não-optante do FGTS.
A companhia aérea foi o primeiro emprego -entrou aos 15 anos, como auxiliar de escritório- e o único da vida de Rigoni.
"Tive uma decisão mais conservadora. Achei que, por se tratar de um direito adquirido, era justo", diz Rigoni.
"A Varig, na época, insistiu para que as pessoas optassem, mas decidi não optar", relata ele, que afirma que "já foi convidado" a sair da empresa duas vezes.
Como Rigoni, o jornalista Joaquim Alves da Cruz Rios, 85, é um dos remanescentes que "resistiram" ao FGTS e ainda estão trabalhando. Cruz Rios foi convidado para escrever uma coluna sobre o Judiciário em "A Tarde", em março de 1938.
Quase 66 anos depois, Rios continua trabalhando no mesmo jornal, agora ocupando um cargo de confiança -diretor de Redação.
"Nunca me arrependi da decisão que tomei", disse o jornalista, que é formado em direito e tem dois livros publicados.
De acordo com advogados trabalhistas, há divergências entre juízes trabalhistas se funcionários como Rigoni e Cruz ainda têm direito à estabilidade.
Alguns acreditam que sim. Outros avaliam que, com a Constituição de 88, esses trabalhadores perderam o status de estáveis e podem ser mandados embora.
Nesse caso, têm direito a uma indenização de dois salários por ano trabalhado como não-optante. "Entendo que a Constituição de 88, ao instituir o FGTS, respeitou o direito adquirido da estabilidade. Mas, apesar disso, existem juízes que entendem que o empregado tem direito apenas à indenização dobrada", afirma o advogado Francisco Ary Montenegro Castello.
De acordo com o advogado Agenor Barreto Parente, no entanto, "a estabilidade acabou: "Houve perda da estabilidade [com a Constituição]'".
As empresas têm o direito de requerer a aposentadoria compulsória dos trabalhadores que fazem 70 anos. Nesse caso, elas pagam a metade da indenização.
Muitos funcionários que foram não-optantes prorrogam a aposentadoria porque não recebem o FGTS relativo ao período de 1967 a 1988 ao fazê-lo. Ao mesmo tempo, a empresa não os demite para não arcar com o alto custo da indenização.

Direito esquecido
De 1967 a 1988, as empresas que tinham não-optantes foram obrigadas a depositar o FGTS desses funcionários, como uma garantia de que poderiam pagar a indenização em caso de falência.
Nesse caso, quando o trabalhador estável pede demissão, morre ou resolve optar pelo fundo, esse dinheiro volta para empresa.


Colaborou Luiz Francisco, da Agência Folha, em Salvador


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