UOL


São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Asiáticos podem deixar de ser emergentes

FRANCESCO GUERRERA
DO "FINANCIAL TIMES"

Como você se sentiria se parte do dinheiro de seu fundo de pensão fosse investido em ações domésticas da Coréia do Sul, de Taiwan e da China?
As pessoas com maior espírito de aventura provavelmente gostarão da idéia de suas economias guardadas para a aposentadoria estarem sendo direcionadas a alguns dos cantos da Ásia que oferecem maiores recompensas e maiores riscos.
No entanto, para os futuros aposentados mais pacatos, não parece uma boa idéia investir o dinheiro de suas pensões em mercados que se comportam como montanhas-russas, nos quais falta transparência, a qualidade das empresas é desigual e existe uma tendência a reagir com exagero às boas e más notícias.
O problema é real, porque a FTSE International, agência de compilação de índices controlada conjuntamente pelo jornal "Financial Times" e pela Bolsa de Valores de Londres, está propondo promover Coréia do Sul e Taiwan à categoria "mercados desenvolvidos", o que os colocaria na mesma posição do Reino Unido e dos Estados Unidos. A empresa também está consultando os investidores quanto a começar a incluir as ações "A" das Bolsas de Xangai e Shenzen em seus índices de mercados emergentes.
A razão para que essas decisões da FTSE International sejam mais que uma simples questão burocrática de classificação é o fato de que os índices básicos são acompanhados ponto a ponto pelos administradores de fundos que dispõem de quantias substanciais para investir.
Se a FTSE International promover os dois países, Coréia do Sul e Taiwan, da classificação "mercados emergentes" para "mercados desenvolvidos", os muitos administradores de fundos que, no momento atual, estão impedidos de investir nesses mercados por causa das regras de suas instituições seriam compelidos a comprar ações neles.
E, se a MSCI, a agência de compilação de índices mais acompanhada pelos investidores dos Estados Unidos, decidir seguir o exemplo da FTSE, o dinheiro dos fundos de investimento norte-americanos também seguiria o mesmo caminho.
Evidentemente, isso seria uma ótima notícia para a Coréia do Sul e para Taiwan. Com a maior parte dos grandes investidores internacionais acompanhando passivamente os índices, por medo de apresentar desempenho inferior ao de seus rivais, Seul e Taipé (as capitais dos dois países, respectivamente) teriam de encarar aquilo que Chris Lobello, da CLSA, classifica como "uma muralha de pressão de compra".

Precedente
De acordo com a CLSA, quando a Grécia foi incluída no exclusivo clube dos mercados desenvolvidos, em janeiro de 2001, o giro em suas Bolsas aumentou quase quatro vezes e se manteve em nível elevado desde então.
Nem todo esse giro surge na ponta da compra, mas não existe dúvida de que a Bolsa de Valores de Atenas agora tem liquidez muito superior a qualquer momento de seu passado.
É certo que qualquer mudança no índice FTSE com relação aos dois países, Coréia do Sul e Taiwan, não entraria em vigor antes de 2005 e demoraria ainda mais no caso da China, mas esse não é considerado um prazo longo em termos de fundos de pensão.
A questão é determinar se Coréia do Sul e Taiwan de fato merecem ser consideradas mercados desenvolvidos.
Em termos absolutos, a resposta é não. Esses mercados são mais voláteis e, portanto, menos "seguros" do que os mercados desenvolvidos. Ao longo dos últimos dez anos, o índice FTSE Korea variou de 19 a 104 pontos, um diferencial muito maior do que o registrado, digamos, pelo FTSE All-Share, no Reino Unido, ou mesmo por um mercado asiático desenvolvido, como aponta o índice Hang Seng, de Hong Kong.
Além disso, os padrões de governança corporativa da empresa média que tem suas ações cotadas na Bolsa, nesses mercados, ainda deixam muito a desejar.
A paisagem empresarial tanto na Coréia do Sul quanto em Taiwan é notória por participações acionárias cruzadas, controle familiar sobre as empresas e pouca consideração com os investidores minoritários.
Para tratar de um argumento inevitável mencionado pelos entusiastas da Ásia, afirmo que estou ciente dos escândalos de governança corporativa nos Estados Unidos e na Europa. Mesmo assim, seria necessária muita coragem para afirmar que lambança semelhante nunca ocorreu nas costas asiáticas.
A Samsung Electronics, menina dos olhos do capitalismo sul-coreano, é um perfeito exemplo daquilo que os investidores internacionais realmente pensam sobre a governança corporativa na Coréia do Sul.
Por que essa empresa muito lucrativa, inovadora e bem administrada tem suas ações negociadas por uma relação preço/lucro de apenas 11? Será que os investidores temem que ela possa ser usada como fonte de recursos para as partes menos lucrativas do imenso conglomerado Samsung? Taiwan, além disso, tem o problema da falta de diversificação. Boa parte das fortunas do mercado está ligada ao setor de tecnologia, uma escolha de investimento que não é recomendável para viúvas, órfãos e futuros pensionistas.
O que pode salvar os dois países é o fato de que as listas de mercados desenvolvidos da FTSE e da MSCI não são exatamente "galerias da fama". No momento em que Grécia, Canadá e Portugal são considerados mercados desenvolvidos, fica difícil justificar a exclusão de Seul e Taipé.
Se a beleza de um mercado está nos olhos de quem o vê, os administradores de fundos de investimentos e os futuros aposentados não perdem por manter os olhos abertos. Não fazê-lo poderia conduzir o dinheiro deles a alguns lugares muito exóticos.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: No RS, estáveis são protegidos por entidades
Próximo Texto: Capitalismo vermelho: China incita migração urbana para crescer
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.