São Paulo, quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

Cooperação global será legado da crise

DOMINIQUE STRAUSS-KAHN
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

Cerca de um ano atrás, a situação econômica mundial parecia sombria: uma severa recessão de alcance global, destruição considerável de riqueza e declínio no comércio internacional e no emprego. Mas um desastre de proporções semelhantes à Grande Depressão foi evitado, graças a uma coordenação sem precedentes entre governos de todo o mundo. Agora, a esperança é que a manutenção dessa cooperação seja um dos legados da crise.
A economia mundial já está a caminho da recuperação, se bem que de maneira desequilibrada, e as condições financeiras melhoraram substancialmente. Persistem nuvens de incerteza, no entanto, e há muitas tarefas inacabadas a concluir.
De fato, o mundo tem necessidade de construir um sistema financeiro mundial mais robusto, estável e seguro. Além disso, a recuperação não é mundial, o desemprego continua em alta na maioria dos países e as condições nos Estados mais pobres continuam a ser de extrema vulnerabilidade. Essas questões têm profundas implicações para a estabilidade e a paz mundial. Basta ter em mente que a estabilidade econômica prepara o terreno para a paz, e que a paz é precondição necessária ao comércio internacional e ao crescimento econômico sustentado.
O que precisa ser feito? A governança da economia mundial, o que inclui o FMI (Fundo Monetário Internacional), precisa ser reformada de maneira a refletir as realidades da era corrente, e a fiscalização e a regulamentação do setor financeiro mundial precisam ser reforçadas. Há progressos, mas precisamos manter esse ímpeto, não só em 2010 como no futuro.
Neste ano, os líderes mundiais agiram com determinação para fazer do G20 o principal fórum de cooperação econômica internacional; triplicaram os recursos do FMI; concordaram em transferir parte das cotas do Fundo a países emergentes e em desenvolvimento que estavam sub-representados; e, por fim, assumiram o compromisso de submeter seus conceitos de política econômica a uma "avaliação mútua", com a assistência do FMI.
Mais especificamente, que prioridades de governança orientam as autoridades para 2010? Nos últimos meses, os membros do FMI endossaram as propostas do G20 e solicitaram que o Fundo promovesse reformas em quatro áreas cruciais, as chamadas "Decisões de Istambul", em 2010: a missão do FMI, seu papel financiador, sua governança e a vigilância multilateral.
Primeiro, pretendemos reavaliar a missão original do Fundo tal como praticada nos últimos anos, à luz de diversas políticas econômicas e financeiras que no momento afetam a estabilidade mundial. Embora o objetivo mais amplo seja promover a estabilidade financeira mundial e o crescimento sustentável, e isso continue importante, a alta nos fluxos internacionais de capital, as interconexões entre os mercados financeiros, as posições de ativos transnacionais e a natureza da recente crise sublinham, todas, a necessidade de revisar essa missão e a forma de executá-la.
Segundo, e com base na questão quanto à reforma de nossa missão, precisamos trabalhar atentamente com os países membros a fim de determinar o papel ideal de financiamento para o FMI. Muitos países acumularam vastas reservas cambiais, em parte como forma de autoproteção contra desdobramentos externos adversos. Mas a autoproteção complica a gestão monetária interna e a administração das taxas de câmbio e representa séria falha de alocação de capital, em termos internos e internacionais.
Terceiro, em Istambul, o conselho do FMI endossou um grande passo em governança, acatado pelo G20: a alteração de ao menos 5% na distribuição de suas cotas (até janeiro de 2011), com transferência dos países dotados de representação excessiva para os mercados emergentes e as nações em desenvolvimento sub-representados. A mudança será um passo muito necessário para tornar o Fundo mais democrático.
Em quarto lugar, o conselho do FMI endossou uma proposta do G20 para que o Fundo auxilie os países em suas revisões mútuas de política econômica. O FMI tem considerável experiência em estruturas mútuas e cooperativas de revisão de política econômica. Mas seus conselhos nem sempre resultaram em mudanças políticas concretas nos países membros.
Por fim, os governos devem levar adiante a reforma da regulamentação. O desafio, nesse campo, será evitar a complacência e ao mesmo tempo não sobrecarregar o sistema com regulamentação excessiva.
As autoridades econômicas têm uma extensa agenda a implementar, mas começaram muito bem. Desde que continuem trabalhando juntas para enfrentar os desafios comuns, de forma cooperativa, a perspectiva de sucesso parece boa.


DOMINIQUE STRAUSS-KAHN é diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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