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ANÁLISE
Cooperação global será legado da crise
DOMINIQUE STRAUSS-KAHN
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE
Cerca de um ano atrás, a situação econômica mundial parecia sombria: uma severa recessão de alcance global, destruição considerável de riqueza
e declínio no comércio internacional e no emprego. Mas um
desastre de proporções semelhantes à Grande Depressão foi
evitado, graças a uma coordenação sem precedentes entre
governos de todo o mundo.
Agora, a esperança é que a manutenção dessa cooperação seja um dos legados da crise.
A economia mundial já está a
caminho da recuperação, se
bem que de maneira desequilibrada, e as condições financeiras melhoraram substancialmente. Persistem nuvens de incerteza, no entanto, e há muitas
tarefas inacabadas a concluir.
De fato, o mundo tem necessidade de construir um sistema
financeiro mundial mais robusto, estável e seguro. Além
disso, a recuperação não é
mundial, o desemprego continua em alta na maioria dos países e as condições nos Estados
mais pobres continuam a ser de
extrema vulnerabilidade. Essas
questões têm profundas implicações para a estabilidade e a
paz mundial. Basta ter em
mente que a estabilidade econômica prepara o terreno para
a paz, e que a paz é precondição
necessária ao comércio internacional e ao crescimento econômico sustentado.
O que precisa ser feito? A governança da economia mundial, o que inclui o FMI (Fundo
Monetário Internacional), precisa ser reformada de maneira a
refletir as realidades da era corrente, e a fiscalização e a regulamentação do setor financeiro
mundial precisam ser reforçadas. Há progressos, mas precisamos manter esse ímpeto, não
só em 2010 como no futuro.
Neste ano, os líderes mundiais agiram com determinação
para fazer do G20 o principal
fórum de cooperação econômica internacional; triplicaram os
recursos do FMI; concordaram
em transferir parte das cotas do
Fundo a países emergentes e
em desenvolvimento que estavam sub-representados; e, por
fim, assumiram o compromisso de submeter seus conceitos
de política econômica a uma
"avaliação mútua", com a assistência do FMI.
Mais especificamente, que
prioridades de governança
orientam as autoridades para
2010? Nos últimos meses, os
membros do FMI endossaram
as propostas do G20 e solicitaram que o Fundo promovesse
reformas em quatro áreas cruciais, as chamadas "Decisões de
Istambul", em 2010: a missão
do FMI, seu papel financiador,
sua governança e a vigilância
multilateral.
Primeiro, pretendemos reavaliar a missão original do Fundo tal como praticada nos últimos anos, à luz de diversas políticas econômicas e financeiras
que no momento afetam a estabilidade mundial. Embora o
objetivo mais amplo seja promover a estabilidade financeira
mundial e o crescimento sustentável, e isso continue importante, a alta nos fluxos internacionais de capital, as interconexões entre os mercados financeiros, as posições de ativos
transnacionais e a natureza da
recente crise sublinham, todas,
a necessidade de revisar essa
missão e a forma de executá-la.
Segundo, e com base na questão quanto à reforma de nossa
missão, precisamos trabalhar
atentamente com os países
membros a fim de determinar o
papel ideal de financiamento
para o FMI. Muitos países acumularam vastas reservas cambiais, em parte como forma de
autoproteção contra desdobramentos externos adversos. Mas
a autoproteção complica a gestão monetária interna e a administração das taxas de câmbio e
representa séria falha de alocação de capital, em termos internos e internacionais.
Terceiro, em Istambul, o
conselho do FMI endossou um
grande passo em governança,
acatado pelo G20: a alteração
de ao menos 5% na distribuição
de suas cotas (até janeiro de
2011), com transferência dos
países dotados de representação excessiva para os mercados
emergentes e as nações em desenvolvimento sub-representados. A mudança será um passo muito necessário para tornar o Fundo mais democrático.
Em quarto lugar, o conselho
do FMI endossou uma proposta do G20 para que o Fundo auxilie os países em suas revisões
mútuas de política econômica.
O FMI tem considerável experiência em estruturas mútuas e
cooperativas de revisão de política econômica. Mas seus conselhos nem sempre resultaram
em mudanças políticas concretas nos países membros.
Por fim, os governos devem
levar adiante a reforma da regulamentação. O desafio, nesse
campo, será evitar a complacência e ao mesmo tempo não
sobrecarregar o sistema com
regulamentação excessiva.
As autoridades econômicas
têm uma extensa agenda a implementar, mas começaram
muito bem. Desde que continuem trabalhando juntas para
enfrentar os desafios comuns,
de forma cooperativa, a perspectiva de sucesso parece boa.
DOMINIQUE STRAUSS-KAHN é diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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