São Paulo, quarta, 30 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Planos de saúde privados



ANTONIO PENTEADO MENDONÇA
² Graças a Deus, por causa de um detalhe, o governo editou uma nova medidas provisória, adiando para o final do ano que vem a entrada em vigor dos planos de referência dos planos de saúde privados. Ao não saber com proceder à incorporação das coberturas do atendimento odontológico às coberturas médico- hospitalares, o governo jogou para dezembro de 1999 a entrada em vigor dos planos de cobertura total, previstos na nova lei dos planos de saúde privados.
Essa lei, por conta das ações atabalhoadas do Executivo federal, tentando transferir para a iniciativa privada o mico da saúde pública, vai se transformando no verdadeiro samba do crioulo doido, deixando todos os interessados sem entender o que está acontecendo; ao que parece, para o governo a Constituição é letra morta e a retroatividade das leis, algo absolutamente normal.
A verdade é que o grande problema da regulamentação não está na elaboração de um plano global, incorporando os diferentes tipos de procedimentos médico-hospitalares e odontológicos. Se o tamanho do buraco fosse só esse, a questão estaria resolvida em 15 minutos, sem maiores dores de cabeça nem transtornos para ninguém.
O problema é que o governo quer transferir um serviço falido, sem abrir mão da sua arrecadação com ele, para a iniciativa privada, que, constitucionalmente, só tem a obrigação de fornecer planos de saúde complementares, já que a obrigação de disponibilizar para a população os serviços médico-hospitalares essenciais é dele.
O governo até poderia fazer isso, mas, para ter sucesso, a transferência teria que se dar de outra forma -quem sabe baseada nas soluções européias, que funcionam (e bem), permitindo que os segurados tenham atendimento de Primeiro Mundo. Na Europa, as ações de cada setor estão claramente definidas; cabem ao poder público as políticas de saúde pública e ao setor privado, que atua como concessionário do poder público, disponibilizar o atendimento médico-hospitalar e odontológico para a parte da população que prefere os seus serviços.
Lá, além das empresas que prestam o atendimento básico, existem também as que oferecem serviços complementares. Estas, em verdade, sofisticam o padrão de atendimento, exatamente como deveria ser -com base na lei- a função dos planos de saúde privados brasileiros.
Para entender o sistema dos planos de saúde privados nacionais, é necessário voltar 30 anos no tempo. Foi nessa época que as primeiras empresas de medicina de grupo e cooperativas médicas surgiram, oferecendo produtos que simplesmente sofisticavam os padrões de atendimento da rede pública recém-criada.
De lá para cá, a evolução foi vertiginosa, e os planos de saúde privados passaram a oferecer aos seus segurados, basicamente por causa da falência do sistema oficial, procedimentos muito mais sofisticados, sendo alguns deles de responsabilidade legal do governo.
Atualmente, mais de 40 milhões de brasileiros estão cobertos pelos planos de saúde privados, que oferecem para a imensa maioria dos associados coberturas tão abrangentes quanto as exigidas pelo governo na nova regulamentação do setor.
Aliás, é bom que se diga que o governo não inovou. Pelo contrário, ele adotou as regras que há mais ou menos dez anos são obrigatórias para as seguradoras que atuam em saúde e as estendeu para as medicinas de grupo e para as cooperativas. E é exatamente aí que a coisa pega.
Os serviços oferecidos pelas cooperativas e pelas medicinas de grupo não são os serviços oferecidos pelas seguradoras. Enquanto as duas primeiras, em princípio, prestam diretamente o serviço médico-hospitalar, as segundas reembolsam esses serviços, prestados por terceiros.
O resultado dessa diferença é que a estrutura de caixa de cada uma delas é particularizada devido ao seu tipo de atuação, não havendo necessidade de as cooperativas e as medicinas de grupo terem a mesma composição de reservas técnicas, indispensáveis para garantir o funcionamento das seguradoras.
Mas esse é apenas um aspecto que precisa ser levado em conta para o correto dimensionamento da questão. Outro, tão ou mais importante, é o funcionamento dos pequenos planos de saúde, normalmente vinculados a hospitais menores de cidades do interior ou das periferias das grandes cidades, que, por um preço muito baixo, dão o atendimento médico-hospitalar necessário para mais de 90% das situações vividas por seus clientes.
Com as novas regras, esses planos não terão condições de continuar existindo, condenando seus segurados a retornar às filas do SUS. Isso fará com que o tiro saia pela culatra, já que o governo, que hoje mal se escora nas pernas, receberá de volta milhões de pessoas que já não se servem, na maioria das vezes, de seus serviços, sabidamente deficientes.
Ao adiar a entrada dos planos de referência para dezembro do ano que vem, o Executivo está dando o tempo necessário para o assunto ser discutido sem paixão e sem demagogia, possibilitando que a sua solução caminhe para o campo do viável e não para a ilusão que tanto mal tem causado ao Brasil. Quanto ao resto, o importante é que, dentro das regras atuais, o jogo seja respeitado e que o governo defenda os interesses dos segurados, mas dentro da lei.
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Antonio Penteado Mendonça, 46, advogado, é consultor de seguros e diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo.
E-mail: pentmend@dialdata.com.br



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