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OPINIÃO ECONÔMICA
Planos de saúde privados
ANTONIO PENTEADO MENDONÇA
²
Graças a Deus, por causa de um
detalhe, o governo editou uma nova medidas provisória, adiando
para o final do ano que vem a entrada em vigor dos planos de referência dos planos de saúde privados. Ao não saber com proceder à
incorporação das coberturas do
atendimento odontológico às coberturas médico- hospitalares, o
governo jogou para dezembro de
1999 a entrada em vigor dos planos
de cobertura total, previstos na nova lei dos planos de saúde privados.
Essa lei, por conta das ações atabalhoadas do Executivo federal,
tentando transferir para a iniciativa privada o mico da saúde pública, vai se transformando no verdadeiro samba do crioulo doido, deixando todos os interessados sem
entender o que está acontecendo;
ao que parece, para o governo a
Constituição é letra morta e a retroatividade das leis, algo absolutamente normal.
A verdade é que o grande problema da regulamentação não está na
elaboração de um plano global, incorporando os diferentes tipos de
procedimentos médico-hospitalares e odontológicos. Se o tamanho
do buraco fosse só esse, a questão
estaria resolvida em 15 minutos,
sem maiores dores de cabeça nem
transtornos para ninguém.
O problema é que o governo quer
transferir um serviço falido, sem
abrir mão da sua arrecadação com
ele, para a iniciativa privada, que,
constitucionalmente, só tem a
obrigação de fornecer planos de
saúde complementares, já que a
obrigação de disponibilizar para a
população os serviços médico-hospitalares essenciais é dele.
O governo até poderia fazer isso,
mas, para ter sucesso, a transferência teria que se dar de outra forma
-quem sabe baseada nas soluções
européias, que funcionam (e bem),
permitindo que os segurados tenham atendimento de Primeiro
Mundo. Na Europa, as ações de cada setor estão claramente definidas; cabem ao poder público as políticas de saúde pública e ao setor
privado, que atua como concessionário do poder público, disponibilizar o atendimento médico-hospitalar e odontológico para a parte
da população que prefere os seus
serviços.
Lá, além das empresas que prestam o atendimento básico, existem
também as que oferecem serviços
complementares. Estas, em verdade, sofisticam o padrão de atendimento, exatamente como deveria
ser -com base na lei- a função
dos planos de saúde privados brasileiros.
Para entender o sistema dos planos de saúde privados nacionais, é
necessário voltar 30 anos no tempo. Foi nessa época que as primeiras empresas de medicina de grupo e cooperativas médicas surgiram, oferecendo produtos que
simplesmente sofisticavam os padrões de atendimento da rede pública recém-criada.
De lá para cá, a evolução foi vertiginosa, e os planos de saúde privados passaram a oferecer aos seus
segurados, basicamente por causa
da falência do sistema oficial, procedimentos muito mais sofisticados, sendo alguns deles de responsabilidade legal do governo.
Atualmente, mais de 40 milhões
de brasileiros estão cobertos pelos
planos de saúde privados, que oferecem para a imensa maioria dos
associados coberturas tão abrangentes quanto as exigidas pelo governo na nova regulamentação do
setor.
Aliás, é bom que se diga que o governo não inovou. Pelo contrário,
ele adotou as regras que há mais ou
menos dez anos são obrigatórias
para as seguradoras que atuam em
saúde e as estendeu para as medicinas de grupo e para as cooperativas. E é exatamente aí que a coisa
pega.
Os serviços oferecidos pelas cooperativas e pelas medicinas de grupo não são os serviços oferecidos
pelas seguradoras. Enquanto as
duas primeiras, em princípio,
prestam diretamente o serviço médico-hospitalar, as segundas reembolsam esses serviços, prestados
por terceiros.
O resultado dessa diferença é que
a estrutura de caixa de cada uma
delas é particularizada devido ao
seu tipo de atuação, não havendo
necessidade de as cooperativas e as
medicinas de grupo terem a mesma composição de reservas técnicas, indispensáveis para garantir o
funcionamento das seguradoras.
Mas esse é apenas um aspecto
que precisa ser levado em conta
para o correto dimensionamento
da questão. Outro, tão ou mais importante, é o funcionamento dos
pequenos planos de saúde, normalmente vinculados a hospitais
menores de cidades do interior ou
das periferias das grandes cidades,
que, por um preço muito baixo,
dão o atendimento médico-hospitalar necessário para mais de 90%
das situações vividas por seus
clientes.
Com as novas regras, esses planos não terão condições de continuar existindo, condenando seus
segurados a retornar às filas do
SUS. Isso fará com que o tiro saia
pela culatra, já que o governo, que
hoje mal se escora nas pernas, receberá de volta milhões de pessoas
que já não se servem, na maioria
das vezes, de seus serviços, sabidamente deficientes.
Ao adiar a entrada dos planos de
referência para dezembro do ano
que vem, o Executivo está dando o
tempo necessário para o assunto
ser discutido sem paixão e sem demagogia, possibilitando que a sua
solução caminhe para o campo do
viável e não para a ilusão que tanto
mal tem causado ao Brasil. Quanto
ao resto, o importante é que, dentro das regras atuais, o jogo seja
respeitado e que o governo defenda os interesses dos segurados,
mas dentro da lei.
²
Antonio Penteado Mendonça, 46, advogado, é
consultor de seguros e diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo.
E-mail: pentmend@dialdata.com.br
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