São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2008

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Juro do cartão sobe e assusta investidor

Medida tomada por operadoras de cartão de crédito nos EUA alimenta especulação sobre se crise já chegou ao setor

Além dos juros, operadoras elevam as provisões com perdas; a despeito do corte na taxa pelo Fed, redução de crédito chega ao segmento

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Há duas semanas, John Smith recebeu uma carta da BillMeLater. Nela, a operadora de cartões de crédito virtuais avisava que aumentaria a taxa de juros anuais cobrados do profissional liberal (o nome é fictício; ele não quer ser identificado). Passariam de 12,99% para 19,99% -1,67% ao mês. Se ele não aceitasse, teria de cancelar a conta e pagar um mínimo mensal até zerar o débito.
O aumento ocorria na mesma semana em que o Fed, o banco central dos EUA, baixava a taxa básica de juros da economia do país pela sexta vez consecutiva desde setembro, numa tentativa de baratear o crédito disponível à população e de afastar a recessão que ameaça engolfar o país. Como Smith, milhares de norte-americanos receberam cartas semelhantes.
Não só da BillMeLater, empresa baseada em Maryland que financia as compras em mais de 700 sites: o Bank of America, que tem 40 milhões de usuários de cartões de crédito físicos, vem fazendo o mesmo com alguns titulares. Muitos destinatários das cartas criaram blogs, em que reclamam do banco e de outras instituições financeiras.
As ações acontecem no momento em que analistas financeiros especulam quem será a "próxima vítima" da crise econômica nos EUA, que começou no setor imobiliário e atingiu recentemente os bancos. O problema é que o cartão de crédito é a modalidade principal escolhida pelo consumidor norte-americano, que, por sua vez, é responsável por fazer girar 70% do PIB norte-americano, de cerca de US$ 15 trilhões.
O envio das cartas aos clientes acontece na esteira da divulgação de fatos que guardam semelhança com o efeito dominó que originou a chamada "crise do subprime", detonada pelo não-pagamento de financiamentos imobiliários feitos a consumidores com crédito duvidoso. Dois deles chamam a atenção. O primeiro é que gigantes da área como a American Express e a Capital One aumentaram recentemente suas provisões destinadas a perdas com maus pagadores.
No caso do Amex, esse aumento de provisões foi de 70%, para US$ 1,5 bilhão. "Estamos obcecados sobre quão pior essa situação pode ficar", disse Richard D. Fairbank, CEO do Capital One, em reunião com analistas em janeiro. "Mas a verdade é que ninguém sabe." O segundo é que os papéis das operadoras começam a preocupar o mercado. Em fevereiro, o UBS recomendou a seus clientes a venda de ações de três das principais operadoras: além da American Express e da Capital One, receberam essa classificação as ações da Discover.

Diminuição de crédito
Os americanos devem hoje US$ 950 bilhões no cartão de crédito, ou 15% mais do que cinco anos atrás. Isso dá uma fatura mensal de US$ 9.000 por família. Ao juntar as hipotecas na equação, o total que um lar americano deve pulou de 80% da renda em 1983 para os atuais 133% -ou seja, na média, se um casal recebe por mês US$ 10 mil por mês, deve US$ 13 mil.
O aumento no endividamento seria resultado direto da crise do "subprime", pois muitos devedores usaram os limites dos cartões para fechar as contas. Mas pesquisa do Fed com as principais instituições financeiras em fevereiro aponta que a redução de crédito atingiu também operadoras de cartão de crédito, daí o medo da crise.
Avalia-se que essas instituições estejam usando o dinheiro barato que resulta das consecutivas baixas dos juros da economia para zerar de seus balanços os prejuízos com maus pagadores, em vez de usar para facilitar o crédito ao consumidor final, como esperava o Banco Central dos EUA.
Nos EUA, o cartão de crédito tem função semelhante ao limite do cheque especial brasileiro. Mas os juros cobrados de cada cliente são determinados pela pontuação do titular segundo uma de três principais agências avaliadoras de risco. É como se a pessoa física fosse uma empresa, que oferece mais ou menos perigo ao tomar dinheiro emprestado. Na mais usada pelas instituições, a Fico, os mais mal-avaliados estão próximos dos 600 pontos; os mais bem-avaliados, dos 800.
Até então, as operadoras abaixavam ou aumentavam os juros cobrados seguindo a flutuação da pontuação dos clientes. Esses perdiam pontos segundo critérios definidos, como pagamento de conta em atraso ou manutenção do saldo devedor muito próximo do limite. Nas últimas semanas, juros anuais pularam para até 28% sem que esses critérios tivessem sido utilizados.
Segundo a assessoria de imprensa do Bank of America, as medidas estão dentro do normal, já que os contratos de seus associados prevêem "revisões periódicas" dos juros cobrados. Mas o banco está entre os que anunciaram aumento de provisões para créditos ruins.


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