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ARTIGO
Bolsas apontam caminho da recuperação
ALAN GREENSPAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
AS AUTORIDADES econômicas mundiais enfrentam seu mais sério
desafio desde os anos 1930. Há
considerável medo no mercado
de que o conjunto sem precedentes de programas de estímulo e esforços de recapitalização de bancos com créditos soberanos fracasse. Por isso, seria
útil contemplar alternativas a
esse incômodo desfecho.
Nos últimos dois séculos, o
capitalismo mundial enfrentou
crises semelhantes e, até agora,
sempre se recuperou e conseguiu promover níveis ainda
mais elevados de prosperidade.
Que forma teria o mundo atual
se, em lugar dos vastos esforços
dos governos para conter a chegada da crise tivéssemos permitido que mecanismos de
mercado e estabilizadores automáticos, hoje integrados à
maioria de nossas economias,
funcionassem sem ajuda adicional? Cenários hipotéticos
são altamente problemáticos,
para dizer o mínimo. Mas há
possibilidades intrigantes que
nos dão a esperança de que, caso tudo mais fracasse, a economia mundial ainda assim não
estaria condenada a anos de estagnação, ou pior.
Num cenário digno de credibilidade, atrás da perda sem
precedentes de patrimônio dos
últimos 18 meses estão as sementes da recuperação. Os
mercados de ações de todo o
mundo têm de estar perto de
uma virada. Mesmo que a recuperação seja bastante modesta,
como suspeito, a reversão pode
ter grandes, e positivas, consequências econômicas.
Por alguns meses, antes das
perturbações de agosto de
2007, a crise foi só financeira.
Os balanços e fluxos de caixa do
setor não financeiro estavam
em forma. Mas o contágio da
crise nas finanças começou a se
espalhar no final de 2007. Os
preços mundiais das ações
atingiram um pico em outubro
e começaram progressivamente a cair por quase um ano, até a
crise do Lehman Brothers [15
de setembro de 2008]. Os prejuízos mundiais com ações negociadas em bolsa até ali eram
de US$ 16 trilhões. E mais que
dobraram nas dez semanas
após a quebra do Lehman, levando o prejuízo mundial cumulativo a quase US$ 35 trilhões, um declínio de mais de
50% no valor do mercado mundial de ações, na prática uma
duplicação no nível de alavancagem das empresas. Se acrescermos a isso os trilhões perdidos nos valores de casas e os
prejuízos de empresas fechadas, a perda total de capital pode exceder consideravelmente
os US$ 40 trilhões, o que equivale a espantosos dois terços do
PIB mundial em 2008.
O prejuízo combinado tem
importância crítica no desmonte do sistema financeiro,
porque o capital acionário serve como sustentação fundamental a todas as dívidas empresariais e hipotecárias, e seus
derivativos. Esses ativos são a
caução que movimenta a intermediação mundial, o que direciona a poupança de um país
aos investimentos produtivos.
Uma alta nos preços das
ações tenderá a elevar o patrimônio líquido (em valores de
mercado) de virtualmente todas as empresas. Num mercado
em alta, a vasta maioria das
ações sobe. Capital recém-criado tende a ser redistribuído da
maneira mais proveitosa entre
os setores mundiais. No ambiente atual, capital acionário
novo abriria mercados congelados e daria fundos às empresas
em geral e aos bancos, em particular. Maior capital acionário,
depois de resolvido o problema
da escassez de patrimônio líquido nos bancos, sustentaria
mais empréstimos bancários,
reforçaria o valor de mercado
das cauções e poderia reativar
os moribundos mercados de dívidas. Em resumo, a liquidez
ressurgiria e os temores quanto
à solvência recuariam. A restauração dos empréstimos seria um estímulo tão efetivo
quanto qualquer programa fiscal que eu conheça.
Os ganhos de capital generalizados elevarão o capital acionário nos balanços, mas, ainda
que elevem a liquidez e reduzam a insolvência, não geram,
por si só, aumento na atividade
econômica. Mas o faria o fato
de que títulos de propriedade
de empresas representam, na
verdade, poder aquisitivo.
Com frequência demasiada,
consideramos as flutuações
nos preços das ações em termos de lucros e prejuízos nominais, que de alguma maneira
não estariam conectados ao
mundo real. Mas a evaporação
de valor desses "direitos nominais" nos últimos 18 meses teve
efeito profundamente deflacionário sobre a atividade econômica mundial. Os fracassos da
intermediação refrearam muitas economias ao longo das décadas, mais conspicuamente a
do Japão nos anos 90. O efeito
patrimônio sobre gastos pessoais e domiciliares foi documentado, mas os preços das
ações têm também impacto
significativo e estatisticamente
elevado sobre o capital privado
de investimento. Essas análises
sugerem que boa parte do recente declínio na atividade
mundial pode estar associado
direta ou indiretamente a uma
queda nos valores das ações.
Os preços das ações são governados, ao longo da maior
parte do ciclo de negócios, pelas expectativas de lucros e pela
atividade econômica. Mas eles
parecem se tornar cada vez
mais independentes dessa atividade nos pontos de inflexão.
É isso que os torna um indicador antecipatório, para a maioria dos analistas de ciclos.
A substituição do crédito soberano pelo crédito privado
ajudou a evitar alguns dos extremos da crise da solvência.
Mas, ao avaliarmos este período, suspeito que a força que será vista como mais importante
para a recuperação mundial terá sido uma reversão parcial do
prejuízo de US$ 35 trilhões no
valor das ações. Uma recuperação nas ações, propelida em larga medida pelo recuo da recessão, pode ser um ponto seminal
de inflexão na crise.
A questão crucial é determinar quando. Certamente, com
base em quaisquer indicadores
históricos, os valores das ações
estão baixos. Mas a história ensina que podem, ou não, cair
ainda mais antes que retornem
de maneira mais decisiva a níveis mais normais. O que é inegável é que os preços das ações
hoje estão sendo deprimidos
por um grau de medo que não
se via desde o começo do século
20 (1907 e 1932 são duas datas
que me ocorrem). Mas a história nos ensina que há um limite
para a duração e a intensidade
da paralisia que o medo causa.
É o declínio da produção, do
emprego e dos mercados que
gera boa parte da incerteza que
alimenta o medo. O ritmo atual
de deterioração deve se desacelerar, e com isso deve vir uma
redução no nível de medo.
À medida que o medo se reduzir, as ações subirão. Mesmo
que recuperemos só metade
das perdas globais de US$ 35
trilhões em capital acionário, a
quantidade de valor acionário
criada recentemente e as dívidas adicionais que ele poderá
sustentar serão fontes importante de financiamento para os
bancos. Como quase todo mundo está começando a reconhecer, restaurar um grau viável de
intermediação financeira é essencial para a recuperação. Não
fazê-lo reduziria significativamente qualquer impacto positivo de um estímulo fiscal.
ALAN GREENSPAN foi presidente do Federal
Reserve (BC dos EUA) de 1987 a 2006
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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