São Paulo, terça-feira, 31 de março de 2009

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ARTIGO

Bolsas apontam caminho da recuperação

ALAN GREENSPAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

AS AUTORIDADES econômicas mundiais enfrentam seu mais sério desafio desde os anos 1930. Há considerável medo no mercado de que o conjunto sem precedentes de programas de estímulo e esforços de recapitalização de bancos com créditos soberanos fracasse. Por isso, seria útil contemplar alternativas a esse incômodo desfecho.
Nos últimos dois séculos, o capitalismo mundial enfrentou crises semelhantes e, até agora, sempre se recuperou e conseguiu promover níveis ainda mais elevados de prosperidade. Que forma teria o mundo atual se, em lugar dos vastos esforços dos governos para conter a chegada da crise tivéssemos permitido que mecanismos de mercado e estabilizadores automáticos, hoje integrados à maioria de nossas economias, funcionassem sem ajuda adicional? Cenários hipotéticos são altamente problemáticos, para dizer o mínimo. Mas há possibilidades intrigantes que nos dão a esperança de que, caso tudo mais fracasse, a economia mundial ainda assim não estaria condenada a anos de estagnação, ou pior.
Num cenário digno de credibilidade, atrás da perda sem precedentes de patrimônio dos últimos 18 meses estão as sementes da recuperação. Os mercados de ações de todo o mundo têm de estar perto de uma virada. Mesmo que a recuperação seja bastante modesta, como suspeito, a reversão pode ter grandes, e positivas, consequências econômicas.
Por alguns meses, antes das perturbações de agosto de 2007, a crise foi só financeira. Os balanços e fluxos de caixa do setor não financeiro estavam em forma. Mas o contágio da crise nas finanças começou a se espalhar no final de 2007. Os preços mundiais das ações atingiram um pico em outubro e começaram progressivamente a cair por quase um ano, até a crise do Lehman Brothers [15 de setembro de 2008]. Os prejuízos mundiais com ações negociadas em bolsa até ali eram de US$ 16 trilhões. E mais que dobraram nas dez semanas após a quebra do Lehman, levando o prejuízo mundial cumulativo a quase US$ 35 trilhões, um declínio de mais de 50% no valor do mercado mundial de ações, na prática uma duplicação no nível de alavancagem das empresas. Se acrescermos a isso os trilhões perdidos nos valores de casas e os prejuízos de empresas fechadas, a perda total de capital pode exceder consideravelmente os US$ 40 trilhões, o que equivale a espantosos dois terços do PIB mundial em 2008.
O prejuízo combinado tem importância crítica no desmonte do sistema financeiro, porque o capital acionário serve como sustentação fundamental a todas as dívidas empresariais e hipotecárias, e seus derivativos. Esses ativos são a caução que movimenta a intermediação mundial, o que direciona a poupança de um país aos investimentos produtivos.
Uma alta nos preços das ações tenderá a elevar o patrimônio líquido (em valores de mercado) de virtualmente todas as empresas. Num mercado em alta, a vasta maioria das ações sobe. Capital recém-criado tende a ser redistribuído da maneira mais proveitosa entre os setores mundiais. No ambiente atual, capital acionário novo abriria mercados congelados e daria fundos às empresas em geral e aos bancos, em particular. Maior capital acionário, depois de resolvido o problema da escassez de patrimônio líquido nos bancos, sustentaria mais empréstimos bancários, reforçaria o valor de mercado das cauções e poderia reativar os moribundos mercados de dívidas. Em resumo, a liquidez ressurgiria e os temores quanto à solvência recuariam. A restauração dos empréstimos seria um estímulo tão efetivo quanto qualquer programa fiscal que eu conheça.
Os ganhos de capital generalizados elevarão o capital acionário nos balanços, mas, ainda que elevem a liquidez e reduzam a insolvência, não geram, por si só, aumento na atividade econômica. Mas o faria o fato de que títulos de propriedade de empresas representam, na verdade, poder aquisitivo.
Com frequência demasiada, consideramos as flutuações nos preços das ações em termos de lucros e prejuízos nominais, que de alguma maneira não estariam conectados ao mundo real. Mas a evaporação de valor desses "direitos nominais" nos últimos 18 meses teve efeito profundamente deflacionário sobre a atividade econômica mundial. Os fracassos da intermediação refrearam muitas economias ao longo das décadas, mais conspicuamente a do Japão nos anos 90. O efeito patrimônio sobre gastos pessoais e domiciliares foi documentado, mas os preços das ações têm também impacto significativo e estatisticamente elevado sobre o capital privado de investimento. Essas análises sugerem que boa parte do recente declínio na atividade mundial pode estar associado direta ou indiretamente a uma queda nos valores das ações.
Os preços das ações são governados, ao longo da maior parte do ciclo de negócios, pelas expectativas de lucros e pela atividade econômica. Mas eles parecem se tornar cada vez mais independentes dessa atividade nos pontos de inflexão. É isso que os torna um indicador antecipatório, para a maioria dos analistas de ciclos.
A substituição do crédito soberano pelo crédito privado ajudou a evitar alguns dos extremos da crise da solvência. Mas, ao avaliarmos este período, suspeito que a força que será vista como mais importante para a recuperação mundial terá sido uma reversão parcial do prejuízo de US$ 35 trilhões no valor das ações. Uma recuperação nas ações, propelida em larga medida pelo recuo da recessão, pode ser um ponto seminal de inflexão na crise.
A questão crucial é determinar quando. Certamente, com base em quaisquer indicadores históricos, os valores das ações estão baixos. Mas a história ensina que podem, ou não, cair ainda mais antes que retornem de maneira mais decisiva a níveis mais normais. O que é inegável é que os preços das ações hoje estão sendo deprimidos por um grau de medo que não se via desde o começo do século 20 (1907 e 1932 são duas datas que me ocorrem). Mas a história nos ensina que há um limite para a duração e a intensidade da paralisia que o medo causa.
É o declínio da produção, do emprego e dos mercados que gera boa parte da incerteza que alimenta o medo. O ritmo atual de deterioração deve se desacelerar, e com isso deve vir uma redução no nível de medo. À medida que o medo se reduzir, as ações subirão. Mesmo que recuperemos só metade das perdas globais de US$ 35 trilhões em capital acionário, a quantidade de valor acionário criada recentemente e as dívidas adicionais que ele poderá sustentar serão fontes importante de financiamento para os bancos. Como quase todo mundo está começando a reconhecer, restaurar um grau viável de intermediação financeira é essencial para a recuperação. Não fazê-lo reduziria significativamente qualquer impacto positivo de um estímulo fiscal.


ALAN GREENSPAN foi presidente do Federal Reserve (BC dos EUA) de 1987 a 2006
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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