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OPINIÃO ECONÔMICA
E o piloto? Sumiu?
JOSEF BARAT
O bloqueio dos caminhoneiros
nas principais estradas de rodagem do país nesta semana nos induz a uma série de reflexões. Primeiramente, cabe reconhecer que
a pauta de reivindicações apresentada pelos líderes do movimento é bastante coerente e deve
ser encarada com respeito, até por
se tratar de setor essencial ao cotidiano do país. Em seguida, deve-se considerar que greves de caminhoneiros ocorrem em diversos
países e causam enormes prejuízos de ordem econômica e social,
como aconteceu recentemente na
França.
Claro que não se pode deixar de
condenar os excessos de arbitrariedades cometidos pelos grevistas nem deixar de lamentar as graves consequências acarretadas
pelo movimento. Mas é importante, neste momento, ter consciência do contexto em que os fatos ocorrem.
Uma greve de caminhoneiros
na França causa transtornos, mas
a movimentação de cargas neste
país -apesar do grande avanço
do transporte rodoviário- divide-se de forma equilibrada com
as ferrovias e a navegação interior, que, apesar de mais especializada, tem um importante papel
de transporte de carga geral, por
meio de contêineres. Os transtornos causados acabam por afetar
muito mais a circulação de automóveis e parte da distribuição de
carga nos centros urbanos.
No Brasil, entretanto, o transporte rodoviário é responsável
por cerca de 70% da movimentação interurbana de cargas e 95%
da de passageiros. Aqui, a paralisação dos caminhões atinge em
cheio as cadeias logísticas, causando efeitos devastadores sobre
a produção, o abastecimento interno e as exportações. Apesar de
se saber de tudo isso, a greve -há
algum tempo anunciada- deparou-se com um governo abúlico,
incapaz de antecipar soluções.
Isso porque o governo não dispõe de uma política de transportes consistente. Como na língua
portuguesa não existe a distinção
entre "policy" e "politics", acaba
por haver uma perniciosa confusão sob a égide da palavra "política". Ou seja, entre nós, ministros
fazem política ("politics") -e como fazem!-, mas, mesmo em
países onde prevalecem ideologias liberais, com a primazia do
mercado, os governos não abrem
mão de sua função de definir políticas ("policies") e de dispor de
instrumentos para intervir em situações que podem causar graves
prejuízos à sociedade. Assim, a
paralisação dos caminhões nos
mostra alguns aspectos interessantes da absoluta falta de articulação no setor.
Os caminhoneiros reclamam
dos custos elevados num contexto de demanda em declínio pela
recessão. Reclamam, sobretudo,
do aumento dos preços dos combustíveis, das tarifas dos pedágios
e do vergonhoso estado de conservação das estradas, o que eleva,
sem dúvida, o chamado "custo
Brasil". O governo federal é responsável por cerca de 53 mil km
de rodovias pavimentadas. Foram privatizados por meio de
concessões apenas 850 km, que
concentram parte relevante do
tráfego rodoviário e tiveram melhoria sensível nas suas condições
de tráfego. Mas o restante da malha viária não dispõe dos recursos
necessários para sua conservação
rotineira e restauração de trechos
degradados. Estimativas recentes
mostram que apenas 38% da malha federal pavimentada encontra-se em boas condições e 62%
está em estado regular ou péssimo.
No passado havia um mecanismo de financiamento auto-sustentado -o Fundo Rodoviário
Nacional-, baseado na arrecadação do imposto sobre combustíveis e lubrificantes, vinculado à
infra-estrutura rodoviária. Com o
fim das vinculações e a transferência da base tributária para os
Estados, a União perdeu receitas e
manteve encargos. Se entre 1970 e
1974 o governo federal investiu o
equivalente a 0,90% do PIB em
construção e pavimentação e
0,30% em conservação, entre 1995
e 1998 os percentuais caíram para,
respectivamente, 0,07% e 0,05%.
Há mais de uma década que se
assiste à degradação do patrimônio viário, sem que: i) se transfira
parte da malha federal para os Estados; ii) se crie um mecanismo
de financiamento sustentado no
longo prazo para dar suporte pelo
menos à conservação e à restauração da malha existente. O Brasil já
dispôs de um mecanismo que deu
certo, extinto sem uma alternativa.
A outra questão relevante que
decorre da falta de política para o
setor é a da persistência no predomínio do caminhão. Onde estão
as ferrovias e a navegação de cabotagem com alternativas para
cargas gerais unificadas em contêineres? A privatização da malha
ferroviária gerou dois problemas
com as concessionárias, que: i)
não conseguiram cumprir as metas estabelecidas e ii) acomodaram-se à situação de transformar
as ferrovias em meros centros de
custos dos seus negócios (minérios, produtos siderúrgicos etc.).
Quanto à navegação de cabotagem, a privatização de áreas portuárias e a própria legislação, não
desfizeram o emaranhado de instâncias burocráticas e irracionalidades nas operações portuárias.
Ora, custos elevados, altos índices
de furtos e avarias e tempos de espera absurdos afugentam a carga
do navio, se ela tiver a opção do
caminhão.
Este é o pior dos mundos em
que vivemos. Sem estratégias e
políticas públicas arrojadas e consistentes, as coisas certamente vão
piorar. Em prejuízo do abastecimento interno e da competitividade das exportações. Nessa greve anunciada, o país, já devagar,
quase parando, correu o sério risco de parar. Nuvens carregadas,
turbulências, o avião com dificuldade de nivelar, os passageiros
apertam os cintos e o piloto... sumiu! Vamos levar mais a sério a
questão dos transportes, senhores!
Josef Barat, 59, economista, é membro do
Conselho de Economia, Sociologia e Política
da Federação do Comércio do Estado de São
Paulo e autor do livro "A Evolução dos Transportes no Brasil".
E-mail: barat@sanet.com.br
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