São Paulo, Sábado, 31 de Julho de 1999
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MERCOSUL
País envia mensagem velada de que a partir do ano 2000 tarifa de importação poderia ser igual à normal
Brasil usa carros para dobrar Argentina

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

O governo brasileiro nem precisou usar a sua arma mais poderosa (impor tarifas elevadas para a importação de veículos e autopeças) para fazer com que a Argentina recuasse na decisão de introduzir salvaguardas generalizadas contra importações.
Bastou uma mensagem velada, na forma da suspensão de todas as negociações com os argentinos, para provocar o recuo.
É simples de explicar: hoje a Argentina vende ao Brasil com tarifa zero de importação determinada (e elevada) quantidade de autos e autopeças. É um regime transitório que só vai até o fim do ano.
A partir do ano 2000, portanto, o Brasil poderia cobrar tarifas iguais às que valem para as importações de qualquer país, na portentosa altura dos 70%, a menos que as partes estabeleçam um novo regime.
Com a suspensão das negociações, não haveria maneira de chegar a um entendimento sobre o novo regime automotivo.

Comparação
Para avaliar o peso da arma automotiva basta a seguinte comparação: o Brasil vende para a Argentina apenas US$ 400 milhões em têxteis, calçados e aço (produtos que estão ou seriam protegidos pelos argentinos). Mas a Argentina exporta para o Brasil veículos e autopartes no valor de US$ 2,6 bilhões (dados de 1998).
Talvez por isso, os diplomatas brasileiros notaram visível constrangimento de seus colegas argentinos ao se apresentarem para a reunião no Itamaraty.
O chanceler argentino Guido di Tella logo anunciou:
"Nós vamos isentar os parceiros do Mercosul das salvaguardas, mas compreendam que precisamos ter alguma coisa para exibir em Buenos Aires", disse di Tella.
Seu colega brasileiro Luiz Felipe Lampreia rebateu: "Nós não somos nem insensíveis nem desinformados sobre a situação na Argentina", fórmula prática de demonstrar que o governo brasileiro sabe perfeitamente que a crise econômica do parceiro é séria.
Mas, emendou Lampreia, "vocês ultrapassaram todos os sinais vermelhos".

Barganha
Os representantes argentinos nas negociações ainda propuseram uma barganha: suspenderiam as salvaguardas desde que, sempre que as exportações brasileiras de um dado item ultrapassassem certo limite, a Argentina pudesse se proteger.
Lampreia rebateu: é "desfazer o Mercosul" o fato de a Argentina auto-outorgar-se o direito de impor salvaguardas generalizadas. Admitiu, no máximo, discutir caso por caso.
Para demonstrar a sensibilidade mencionada por Luiz Felipe Lampreia, o governo brasileiro concordou em uma reunião, na semana que vem, em Montevidéu, Uruguai, do Grupo de Acompanhamento de Conjuntura Econômica.
O grupo foi criado na mais recente cúpula do Mercosul (junho, em Assunção), mas não chegou ainda a reunir-se. Serve para examinar os fluxos de comércio e sugerir propostas de correção.
Mas as duas partes têm expectativas bem diferentes em relação ao papel do colegiado.

Tribunal
Para os argentinos, trata-se de um grupo destinado a funcionar quase como um tribunal que emitiria aviso antecipado de desequilíbrios nas relações comerciais e recomendaria medidas imediatas para corrigi-los.
Os brasileiros encaram o grupo mais como um foro de debates.
É razoável supor que, na reunião de Montevidéu, os argentinos repitam a queixa que fizeram no encontro do Itamaraty.

Peso do Brasil
Disseram aos brasileiros que não há bloco algum em que um país tenha um peso tão preponderante como o Brasil tem no Mercosul(representa cerca de 75% da economia total do bloco).
Por isso, prosseguiram os argentinos, uma desvalorização da moeda brasileira, como ocorreu em janeiro com o real, "muda tudo nos nossos países".
Consequência: a Argentina quer válvulas de escape.
O governo brasileiro está até disposto a fechar os olhos a medidas protecionistas desde que não ultrapassem a "linha vermelha" traçada pelo ministro Luiz Felipe Lampreia. Ou seja, cotas (como as impostas para os têxteis) e salvaguardas (como as agora revogadas) estão além dos limites toleráveis.


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