São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Levantamento do Tesouro atualiza série de receitas e despesas do governo desde o fim do regime militar

Gasto com juro supera investimento desde 80

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Entre o final do regime militar e o primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a arrecadação de tributos federais no Brasil cresceu três vezes, enquanto a conta de juros se multiplicava por quase sete e os investimentos do governo encolhiam.
A comparação foi possível graças a um estudo da Secretaria do Tesouro Nacional, que atualizou valores de quanto o governo federal arrecadou e gastou ano a ano, de 1980 (quando o país era presidido por João Baptista Figueiredo) até agosto deste ano.
No período da série, o Brasil trocou de moeda cinco vezes -de cruzeiro para cruzado, cruzado para cruzado novo, de cruzado novo para cruzeiro, daí para cruzeiro real até chegar ao real, com uma breve passagem por uma quase moeda, a URV (Unidade Real de Valor). O que só complica a tentativa de comparação.
No exercício divulgado pelo Tesouro, os técnicos usaram o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna), da Fundação Getúlio Vargas, que capta, mais do que outros índices de inflação, as variações cambiais do período. A "série histórica de despesas e receitas" está disponível na página do Ministério da Fazenda na internet.
Em 2003, último ano completo da série, foi registrado o menor investimento público desde 1984. Os investimentos somaram R$ 6,9 bilhões, enquanto a conta de juros do governo central, ainda segundo os dados do Tesouro, batia R$ 70,7 bilhões- ou quase sete vezes o valor pago em 1985. A arrecadação crescente de tributos foi engolida por contas cada vez maiores com juros, pessoal e benefícios previdenciários, sobretudo depois da Constituição de 88.
Entre 1985 e 2003, os gastos com pessoal cresceram seis vezes, e o pagamento de aposentadorias e pensões, mais de dez. Nesse período, o pagamento de impostos e contribuições passou de R$ 129,7 bilhões para R$ 367,4 bilhões.
O estudo do Tesouro mostra que o aumento dos impostos foi bem mais lento do que o das contribuições. A principal diferença entre os dois tipos de tributos é que a receita das contribuições não é repartida pela União com Estados e municípios. Em 2003, as contribuições chegavam quase ao dobro da receita de impostos.

Ressalva
O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, diz que a série histórica das despesas e receitas é "muito ilustrativa, com elementos importantes para a análise".
Mas faz algumas ressalvas sobre o trabalho publicado pelo próprio órgão, a começar pelo registro pouco confiável de dados das contas públicas antes de meados da década de 90. "Antes de 88, muita coisa queria dizer nada, os números são muito frágeis, muita coisa acontecia fora do Orçamento da União", disse à Folha.
Comandante do ajuste fiscal no governo Lula, Levy insiste em que a conta de juros não é o grande vilão do retrato traçado pelo Tesouro. "Os juros são grandes, têm peso significativo, mas estão sob controle", afirmou, citando dados de um estudo recente sobre o pagamento de juros em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).
Levy sinaliza que o aperto nos gastos destinado ao pagamento de juros vai continuar. "Não há muito o que escolher", disse.


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