São Paulo, quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Quanto custa uma marolinha


Em parte, governo fez bem em gastar, mas deficit público quadruplicou para fazer do tsunami uma marolinha

UM ANO depois da bravata da marolinha, Lula se sentia orgulhoso o bastante para revidar. Foi em Custódia, Pernambuco, em seu zilionésimo comício presidencial, quando prometia botijões de gás mais baratos, em outubro passado. O discurso original da marolinha acontecera num comício eleitoral em São Bernardo, São Paulo, em outubro de 2008.
"Vocês estão lembrados de quando eu falava que a crise era uma marola no Brasil? Eu fui achincalhado. Quantas pessoas faziam análise da minha fala pela leitura dos jornais. Então, alguns jornais brasileiros torciam -os jornais, não, alguns jornalistas-, torciam para que a crise arrebentasse o Brasil", vingava-se então o presidente.
Como a recessão pouco afetou o nível de consumo popular, Lula tem alguma razão. Alguma. Porém o mesmo governo que menosprezara a crise gastou muito dinheiro a fim de mitigá-la. Em boa parte, aliás, ainda bem que o fez. O tamanho dessa reação pode ser medido pelo deficit público nominal deste ano, para todo o setor público (a diferença entre o que os governos gastaram e arrecadaram, incluindo juros).
Segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central, o deficit nominal acumulado entre janeiro e novembro deste ano foi de 3,2% do PIB, o equivalente a R$ 90,7 bilhões. Em novembro de 2008, essa conta estava em 0,7% do PIB, cerca de R$ 57 bilhões. O salto do deficit não foi tão grande como nos Estados Unidos e na Europa. Mas parte dele foi um exagero.
Na maior parte, o deficit nominal cresceu porque os governos federal, estaduais e municipais pouparam menos, economizaram menos nos gastos ditos primários (que não incluem a conta de juros). A receita de impostos também caiu, devido à recessão, mas também devido a reduções de impostos. Segundo dados aparentemente exagerados do governo federal, essas perdas de receita vão somar R$ 23 bilhões, o equivalente a um quarto do deficit nominal (3,2% do PIB).
O governo federal também deu aumentos para servidores e elevou o salário mínimo acima da inflação (o que faz União, Estados e prefeituras gastarem mais e aumenta a conta da Previdência). O gasto com pessoal no governo federal vai passar de 4,5% do PIB, em 2008, para 5% neste ano, segundo estimativa do próprio Ministério da Fazenda.
Tais números indicam quanto custa fazer de um tsunami uma marolinha. O gasto excessivo é problema. Mais deficit implica mais dívida, mais dívida redunda em mais pagamentos de juros, além de ser em si outro empecilho à redução das taxas de juros.
De 2002 a 2009, os gastos federais com transferências sociais passaram de 43,9% para 49,2% da despesa primária do governo federal. Isso ajudou a reduzir muito da miséria mais extrema e ajudou a incrementar o mercado doméstico de consumo popular. Esse novo mercado, alimentado pelo governo, foi um dos grandes amortecedores do tsunami.
Mas, além de certo limite, gastos com transferências sociais dificultam melhorias de padrão de vida, entre outros motivos porque excessos fiscais jogam areia na máquina econômica privada.

vinit@uol.com.br


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