São Paulo, quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

Mercado imobiliário deve continuar volátil em 2010

Ano de 2009 deve marcar início de uma nova era de instabilidade no preço dos imóveis; é a primeira vez que isso acontece em tantos países ao mesmo tempo

ROBERT J. SHILLER
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

Instabilidade é um fenômeno conhecido há muito no mercado da habitação, mas até agora ela jamais se havia manifestado ao mesmo tempo em tantos lugares do mundo. De fato, o ano de 2009 pode até se tornar um marco para o início de uma nova era de instabilidade.
Desde 2000, temos encontrado os mais dramáticos indícios de bolhas especulativas nos mercados de casas utilizadas para moradia. Os preços das casas explodiram, de 2000 para a frente, na América do Norte, Europa e Ásia, e em muitos outros locais isolados em todo o mundo. Os mercados chegaram a um pico em 2007 e depois caíram acentuadamente em muitos desses locais, com o início da crise financeira mundial. Surpreendentemente, houve certa recuperação de preços em 2009.
Nos Estados Unidos, o índice S&P/Case-Shiller para os preços da habitação em dez grandes cidades registrou sua maior inversão desde que o indicador foi criado, em 1987, com alta de 5% (15% em termos anualizados) entre abril e agosto de 2009, depois de cair 7% (21% em termos anualizados) nos quatro meses entre dezembro de 2008 e março de 2009. Altas recentes no preço dos imóveis também foram vistas na Austrália, Reino Unido, Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Suécia. E há rumores otimistas em diversos outros mercados.
Os preços das casas estão em uma verdadeira montanha russa, e talvez jamais consigamos compreender os seus movimentos, a não ser em termos de volatilidade. De fato, em um mercado instável e especulativo, no qual as pessoas compram e vendem porque estão tentando antecipar outros movimentos de preços, a história confirma que os movimentos de preços serão difíceis de explicar, até mesmo em retrospecto.
Eles refletem alterações na psicologia dos investidores, que são difíceis de discernir, e também novas informações, que podem ser amorfas ou ambíguas. Essa alta na volatilidade parece refletir uma nova atitude em relação à casa como ativo.
Costumávamos ver as casas como parte da mesma categoria que os automóveis: ativos em depreciação que acarretam manutenção dispendiosa e terminam substituídos. Agora nós as consideramos como bens escassos em um mundo que cresce rapidamente e cujos preços têm o potencial de disparar a qualquer hora.
A ideia comum sempre foi a de que o valor de uma casa estava primordialmente na estrutura, e não no terreno. Isso se tornará cada vez mais verdadeiro à medida que condomínios verticais se tornarem mais e mais comuns. Em certos casos, cem casas podem ser, na prática, empilhadas umas sobre as outras. Com uso de terra tão intensivo, as restrições que a questão dos terrenos impunha à construção de casas se tornam cada vez menores. Essa tendência deve ser mantida, reduzindo ainda mais a importância dos terrenos como componente no valor das casas.
Mas as recentes bolhas especulativas na verdade ampliaram a proporção dos terrenos no valor das casas. Ainda que boa parte de seus efeitos sejam temporários, hoje tendemos a pensar em casas mais como terrenos do que como estruturas.
Os economistas computam o valor de terrenos urbanos subtraindo o custo estimado de construção da casa do valor de venda, de modo que o valor do terreno é inferido como resíduo. Os economistas o fazem porque na maioria dos lugares vendas diretas de terrenos urbanos desocupados são raras, e em geral envolvem lugares ou circunstâncias incomuns, o que torna essas vendas pouco representativas. Assim, o componente da bolha nos preços das casas é atribuído a uma alta nos preços dos terrenos, ainda que os preços dos terrenos distantes das áreas urbanas de mercado mais movimentado sejam imensamente inferiores.
Muita gente parece acreditar que altas no preço das casas refletem a crescente escassez de terrenos. Esses observadores entendem o recente colapso da bolha imobiliária como simples efeito de uma crise financeira temporária.
Esse raciocínio pode estar influenciando a recente recuperação nos preços das casas. Mas o fato é que provavelmente deve ser mais preciso encarar os altos e baixos dos mercados mundiais de habitação como reflexo das mudanças em nosso pensamento sobre a habitação como investimento.
Se for esse o caso, a instabilidade nos preços das casas desde 2000 resultou de raciocínio incorreto e não foi efeito natural do crescimento econômico mundial, que vem mantendo níveis relativamente estáveis já há décadas. O raciocínio incorreto, por sua vez, encorajou práticas frouxas pelas instituições de crédito hipotecário, e levou os bancos centrais a não agir enquanto as bolhas de habitação se desenvolviam.
Em muitos países, os governos responderam ao colapso das bolhas de habitação, em 2009, instituindo políticas que tinham por objetivo sustentar esses mercados especulativos. O resultado, porém, foi levar as pessoas a adicionar outro componente, político, à sua avaliação dos preços das casas, o que os afastou ainda mais dos fundamentos econômicos.
Um fato básico costuma ser esquecido: o moderno setor de construção tem plena capacidade de construir grande número de casas modernas, entre as quais muitos apartamentos em edifícios altos, por preços muito inferiores aos atingidos atualmente pelas casas em muitas áreas urbanas. Isso deve servir de freio à longa escalada dos preços das casas.
Os especuladores da habitação parecem muitas vezes apostar em um equilíbrio político que restrinja a oferta de imóveis, e na continuação, por prazo indefinido, das medidas artificiais de sustentação adotadas na crise. Mas, em uma economia globalizada, com fluxos crescentes de população e um compromisso aberto para com a liberdade econômica, torna-se difícil para os governos restringir a oferta no longo prazo.
É por isso que parece mais seguro prever alta volatilidade em 2010 do que uma alta nos preços das casas.


ROBERT SHILLER é professor de economia na Universidade Yale e economista-chefe da MacroMarkets; ele é autor de "The Subprime Solution: How Today's Global Financial Crisis Happened, and What to Do about It".
Tradução de PAULO MIGLIACCI



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