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Aula de mobilidade é exercício de psicologia
da Redação
Roberto Carlos de Lima Medeiros, 21, ficou cego no final de 1997,
após discutir com um garoto de 15
anos em um fliperama. Levou um
tiro na cabeça. Sobreviveu, mas
perdeu a visão, o olfato e o paladar.
Isso aconteceu onde Medeiros
mora, Cidade Tiradentes (zona
leste de São Paulo). O distrito policial que abrange o bairro é o 11º
mais violento da capital em homicídios dolosos (intencionais), segundo os dados mais recentes da
Secretaria da Segurança Pública. A
cidade é repartida em 93 distritos.
Desde novembro de 1998, Medeiros é aluno da professora Maria
Cecilia Lara de Toledo e de outros
cinco orientadores da fundação
Dorina Nowill, entre os quais há
um psicólogo e uma pedagoga.
As histórias com que esses profissionais convivem não são, certamente, as mais fáceis de enfrentar.
A fórmula para tentar reabilitar os
alunos tem sido trabalho em conjunto, afirma a coordenadora da
equipe, Ivete De Masi, 52.
Assim, as técnicas de mobilidade
são articuladas com as sessões feitas com o psicólogo e a pedagoga
(que ensina o braile, sistema de escrita em relevo), por exemplo. O
aluno só encara as aulas na rua
quando demonstra estar preparado psicologicamente.
Horizonte
"É um trabalho difícil. Quem
perde a visão acha que o mundo
acabou. Precisamos fazer com que
redimensione toda a sua vida nessa
nova condição", diz Ivete.
Por isso o programa de reabilitação exige métodos bem diferentes
dos adotados na educação para
crianças com cegueira congênita
(que já nasceram sem poder ver).
"Imagine como explicar o conceito de horizonte para quem nunca enxergou. Já na reabilitação,
precisamos ensinar técnicas mais
adaptativas para os deficientes."
O contingente de portadores de
cegueira total no país chega a 800
mil pessoas, segundo estimativa
feita pelo Ministério da Saúde.
A fundação Dorina Nowill atende hoje, gratuitamente, perto de 40
alunos, chamados de "clientes".
Na maioria dos casos, eles frequentam as sessões com profissionais
especializados por um período de,
no mínimo, seis meses.
Riscos
Mas o treinamento não parece
fácil. Nem para o aluno nem para a
equipe de apoio. "Não é raro passarmos por situações de risco",
conta a professora Maria Cecilia.
Segundo ela, o maior problema
está no fato de que suas aulas de
mobilidade têm de ser dadas principalmente na rua, em um "ambiente não controlado", como diz.
A orientadora relata que chegou
a perder de vista um aluno em
meio a um quebra-quebra entre
policiais e camelôs no centro da cidade, bem no momento em que
treinava caminhada no calçadão.
Depois do tumulto, a professora
o encontrou em uma loja. Havia sido escondido ali por outras pessoas que passavam pela rua.
Maria Cecilia diz que seu maior
desafio é gerar confiança no aluno
"sem ser maternalista ou se envolver emocionalmente com seus
problemas". "Preciso ter uma postura atenciosa, mas distante, para
não atrapalhar."
Crusoé
Em resumo: é um exercício de
psicologia. E que, na maioria dos
casos, funciona, garante Maria Cecilia. Medeiros, o aluno que levou o
tiro na cabeça, diz o mesmo. "Cada
vez que venho, volto mais contente", afirma. Vai e volta sozinho,
aliás. Pega metrô e ônibus.
Antes do incidente, tinha parado
de estudar na sexta série do ensino
fundamental para trabalhar como
ajudante de pedreiro.
Superado o baque inicial, decidiu
aprender braile e voltou a frequentar uma escola. Hoje planeja se tornar auxiliar de radiologia e trabalhar na revelação de chapas em câmaras escuras. Está lendo, em
braile ("até o dedo adormecer"),
"Robinson Crusoé", sobre aquele
personagem de Daniel Defoe
(1660-1731) que, depois de um
naufrágio, aprende a construir a
vida em uma ilha deserta.
(CM)
Fundação Dorina Nowill para Cegos: tel.
(011) 549-0611.
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