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Outras idéias - Wilson Jacob Filho
Por que não?
Neste período falamos, mesmo que por
telefone, com aqueles que não encontramos há algum tempo. Assim
ocorreu com uma tia-avó, muito querida, que invariavelmente me liga para expressar seus
votos para o novo ano.
Após perguntar pelos "seus"
e responder pelos "meus", veio
o inevitável -falar do seu estado de saúde-, seguido de sutis
"o que você acha?".
Nada de incomum, depois
que nos habituamos a ter respostas que não preocupem o
interlocutor e que, por outro lado, não o assustem com a óbvia
constatação: profissionais têm
diferentes pontos de vista e soluções para a mesma situação.
Uma questão, porém, costuma despertar a minha indignação e me obriga a uma resposta
mais detalhada. Trata-se do famigerado "por que não?".
Assim ocorreu quando minha tia contou ter recebido de
um médico, muito amigo de sua
nora, um grande frasco de medicamento com a recomendação de tomá-lo diariamente.
Conheço o produto e sei que
é recomendado exclusivamente para os portadores da doença
de Alzheimer. Arrisquei o clássico "por qual motivo foi recomendado?", e a resposta foi
pronta e conclusiva: "Se o remédio é bom para a memória, e
eu não estou contente com a
minha, por que não?".
Minha tia faz tudo sozinha.
Cuida de si e da casa com a mesma maestria desde que a conheço. Seu incomparável bolo
de fubá continua o mesmo. Evidentemente, comete pequenos
deslizes cotidianos, que nada
comprometem seu desempenho. Mesmo assim, estava tomando um medicamento recomendado para os portadores de
uma grave enfermidade.
Com todo carinho e cuidado,
expliquei-lhe por que o remédio é desnecessário e, principalmente, seus possíveis efeitos indesejáveis.
Após segundos de silêncio,
ela comentou: "Então pode ser
a causa de o meu intestino voltar a ficar preso, obrigando-me
a retomar os laxativos".
Combinamos que ela não tomaria mais o medicamento até
uma completa avaliação do médico com quem se trata há anos
e prometemos nos encontrar
mais no ano que se inicia.
Mesmo sem que ela saiba,
aproveitei nosso diálogo para
reiterar uma convicção que há
muito venho defendendo. Na
tomada de decisões, a pergunta
correta é "por que sim?", e as
justificativas devem demonstrar que os benefícios esperados são muito superiores aos
riscos daquela intervenção.
O "por que não?" pressupõe
que aquela ação, caso não faça
bem, também não fará mal e é
especialmente utilizado para
explicar o uso de vitaminas ou
de fitoterápicos. Isso é falso na
quase totalidade das vezes. Não
há atitude isenta de risco.
Ao desligar o telefone, fiquei
certo de que minha tia se tornou mais saudável sem a medicação desnecessária. E creio
que a convenci a refazer suas
consultas de rotina, apesar de
"não estar sentindo nada".
O melhor é que fui convidado
para o bolo de fubá com o café
"da hora" que me reporta à infância longínqua. Obviamente,
uma oportunidade como essa
tem todos os motivos para justificar um "por que sim?".
WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade
de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de
"Atividade Física e Envelhecimento Saudável"
(ed. Atheneu)
wiljac@usp.br
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