São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2007
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saúde

Estresse que machuca

Efeitos do estresse, como tensão muscular e redução da visão periférica, tornam praticantes de esportes mais vulneráveis a lesões

Ricardo Nogueira/Folha Imagem
Adalberto Almeida, que pratica salto triplo e, nas vésperas de uma competição, fica tão ansioso que tem dificuldade para dormir


AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Está estressado? Uma das recomendações mais comuns para aliviar a tensão é: pratique um esporte. A dica é correta, mas exige uma cautela: especialistas afirmam que praticar esportes sob estresse aumenta a vulnerabilidade a lesões.
O problema levou o American College of Sports Medicine a divulgar, há quase dois meses, um guia dedicado à relação entre estresse e lesões e a estratégias para minimizar esse risco. Segundo o documento, fatores emocionais predispõem a lesões mesmo em quem tem bom condicionamento físico e se exercita em local adequado.
O guia, elaborado em parceria com outras cinco entidades médicas, como a sociedade americana de medicina esportiva, defende que o estado emocional do atleta também faça parte das avaliações de pré-temporada.
Embora a associação entre estresse e lesões já seja conhecida entre médicos, o problema ainda é subestimado, afirma o psicólogo esportivo João Ricardo Cozac, diretor do Ceppe (Centro de Estudo e Pesquisa e Psicologia do Esporte). "Muitos talentos foram perdidos assim. Eles são escalados porque estão bem fisicamente, mas estão estressados e ninguém detecta isso."

Efeitos
Não é difícil reconhecer os efeitos do estresse no organismo. Basta um susto para sentir parte deles: o coração fica acelerado, a respiração se torna mais curta, a musculatura fica tensa e as mãos e os pés ficam úmidos. Quando esses sintomas são vivenciados com muita freqüência e intensidade, podem prejudicar a saúde.
Quem pratica esportes, porém, muitas vezes associa o cansaço e as dores às conseqüências normais da atividade.
O pior é que, para eles, há um agravante: a exigência física à qual são submetidos faz com que essas alterações tenham um impacto ainda maior.
Assim, a tensão muscular, que não causaria nada grave em muitas pessoas, pode gerar dores generalizadas e mesmo lesões musculares em quem se exercita. Já a diminuição da visão periférica aumenta o risco de cair ou dar um esbarrão naquela partida de futebol.
Além disso, em atividades aeróbicas, os sistemas cardíaco e respiratório recebem uma demanda extra. Se o estresse entrar nessa equação, será preciso fazer ainda mais esforço. "A sobrecarga pode desencadear outros processos, como um broncoespasmo seguido de falta de ar", afirma Moisés Cohen, chefe do Centro de Traumatologia do Esporte da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Foi o que aconteceu com o triatleta Frederico Wilche, 53. Há seis meses, ele começou a ter crises de asma e a sentir dores no corpo. "Também sofri umas contusões que vêm daí."
Ao mesmo tempo, ele estava fechando um contrato importante, com saudade da filha, que mora longe, e ligado à reestruturação da Sociedade Paulista de Triathlon, que preside. "Ainda bem que meu médico é meu amigo e percebe esse lado pessoal", afirma Wilche.
Em outros casos, o próprio esporte é a fonte do estresse. É o caso de Adalberto Almeida, 27, que pratica salto triplo e mal dorme antes das provas.
O período em que ele mais se machuca coincide com a fase que considera a mais tensa do ano. "Janeiro e fevereiro são os meses em que fazemos a preparação para o ano. Tem o estresse da autocobrança, é quando você vê se vai render ou não. E também a fase das contusões."
O estresse afeta até os ossos. A elevação do nível de cortisol (hormônio ligado ao estresse) prejudica a osteogênese (formação dos ossos), segundo o fisioterapeuta Marcus Vinícius Gomes, diretor da clínica Neuron & Therapeutics, no Rio.
O fornecimento de cálcio é afetado, e a vascularização do sistema ósseo é prejudicada pela constrição vascular, diz Gomes. Esse quadro, aliado a um impacto forte, pode fazer com que o osso trinque em sua parte mais interna, afirma. Essa lesão, conhecida como "over use" (uso excessivo), é cada vez mais comum em atletas.

Vulneráveis
Todos esses efeitos, porém, dependem da personalidade e das reações que cada um tem ao ser pressionado. Para Cozac, as pessoas mais suscetíveis costumam ser aquelas que se irritam facilmente, com altos índices de ansiedade e baixa capacidade de concentração.
Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR (International Stress Management Association), inclui nessa lista a dificuldade de adaptação a novas situações, baixa auto-estima e pouco suporte social. "Muitos tentam compensar suas carências por meio do esporte e exageram. Já quem teve um dia horrível e sai para caminhar tende a andar mais rápido e quase marchando, o que aumenta o impacto nos pés."

Respire fundo
Para diminuir as chances de o estresse levar a uma lesão, o remédio -considerado amargo por muitos técnicos e jogadores- é o apoio psicológico. "A psicologia do esporte foi banalizada com as técnicas motivacionais", diz Cozac, ao explicar o preconceito contra a área.
O trabalho, porém, é muito mais abrangente, afirma Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo). Para ela, não adianta motivar uma pessoa se ela não consegue lidar com os episódios que a deixam tensa e ansiosa.
"Não é a situação que é estressante, mas o significado atribuído a ela. Correr uma maratona é estressante? Depende de como você encara isso", diz ela. "O psicólogo ajuda a construir esse significado."
Simone Sanches, psicóloga esportiva da equipe de atletismo Orcamp, em Campinas (SP), acompanhou um corredor cujo pai morreu dias antes de uma competição. Ele conseguiu fazer a prova sem problemas, transformando a perda do pai em um estímulo. "Ele decidiu dedicar a corrida ao pai."
Para quem gosta de se exercitar mas não tem apoio especializado, duas dicas são aprimorar a respiração abdominal profunda, que ajuda a relaxar, e evitar pensamentos negativos ou antecipatórios, diz Rossi.
Em momentos decisivos da partida, vale apelar para rituais que liberem a tensão, como dar pequenos pulos, assobiar ou gritar, sugere Gomes.
Com um pouco de controle sobre a ansiedade, é possível sim seguir aquela dica tão comum e usar o esporte como um aliado contra o estresse.
"Fazer uma atividade física libera endorfinas e dá prazer", diz Rubio. "Mas muitos colocam a competição acima do prazer, e a atividade se torna fonte de mais estresse. O esporte não deve gerar lesões, e sim favorecer a qualidade de vida."


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