São Paulo, quinta-feira, 01 de março de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ Corrida

Desbravadoras

T rôpega, toda torta, com a perna direita enrijecida e o braço esquerdo pendendo como um peso morto, a suíça Gabriela Andersen-Scheiss entrou no estádio Coliseu de Los Angeles, em 1984, para se transformar em exemplo de determinação e espírito esportivo, de vontade comandando o corpo. Mais que isso: como suas companheiras e competidoras naquela prova, mostrou ao mundo que as mulheres podiam, sim, enfrentar a dureza da maratona -coisa que até então o movimento olímpico lhes havia proibido.
Ao longo da história, aliás, os donos do esporte sempre mantiveram o dito "sexo frágil" à distância. Na Antigüidade, as mulheres não podiam sequer ver os Jogos, sob risco de morte. O espírito olímpico, redivivo em 1896, manteve a misoginia. Mas elas trataram de derrubar barreiras e enfrentar a resistência (guardadas as proporções, tal como as grevistas cuja luta é homenageada no Dia Internacional da Mulher, que se comemora na próxima quinta-feira).
Nos primeiros Jogos de nossa era, na Grécia, Melpomene correu ao largo dos competidores oficiais. Impedida de entrar no estádio, em Atenas, contornou o prédio, terminando a prova que oito dos 15 competidores oficiais não conseguiram completar. Outras guerreiras se seguiram, e o movimento ganhou também uma face política.
No final da década de 70, a brasileira Eleonora Mendonça presidiu o Comitê Internacional de Corredores (IRC, na sigla em inglês), que, também com a participação de especialistas em saúde e outros profissionais, tentava convencer o Comitê Olímpico Internacional a aceitar a presença feminina na maratona. Eleonora, que começou a treinar corrida aos 23 anos, em 1972, participou do primeiro Sul-Americano que abrigou uma prova de 1.500 metros para mulheres, em 1974. Chegou aos 3.000 também como pioneira e, em 1976, foi conquistada pela maratona (leia entrevista exclusiva em meu blog). Mas sua maior realização talvez tenha sido integrar o movimento que conseguiu, enfim, ter a maratona nos Jogos de 1984 -mesmo ano em que, como organizadora de provas, promoveu a até então maior corrida feminina do mundo, uma competição de cinco quilômetros, no Ibirapuera, em São Paulo.
Na prova de Los Angeles, ela terminou em último lugar, depois mesmo da estropiada suíça. Mas, tal como Gabriela, foi uma desbravadora. E guarda lembranças de imensa felicidade pela conquista, em cada passo das corridas que mantém até hoje, pelas ruas da cidade praiana de Cape Cod, onde mora, nos EUA.


RODOLFO LUCENA, 50, é editor de Informática da Folha , ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Inspire transpire respire: Cabeça feita
Próximo Texto: Comer o quê?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.