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+ Corrida
Desbravadoras
T
rôpega, toda torta,
com a perna direita
enrijecida e o braço
esquerdo pendendo como um peso morto, a
suíça Gabriela Andersen-Scheiss entrou no estádio
Coliseu de Los Angeles, em
1984, para se transformar em
exemplo de determinação e
espírito esportivo, de vontade comandando o corpo.
Mais que isso: como suas
companheiras e competidoras naquela prova, mostrou
ao mundo que as mulheres
podiam, sim, enfrentar a dureza da maratona -coisa que
até então o movimento olímpico lhes havia proibido.
Ao longo da história, aliás,
os donos do esporte sempre
mantiveram o dito "sexo frágil" à distância. Na Antigüidade, as mulheres não podiam sequer ver os Jogos,
sob risco de morte. O espírito
olímpico, redivivo em 1896,
manteve a misoginia.
Mas elas trataram de derrubar barreiras e enfrentar a
resistência (guardadas as
proporções, tal como as grevistas cuja luta é homenageada no Dia Internacional da
Mulher, que se comemora na
próxima quinta-feira).
Nos primeiros Jogos de
nossa era, na Grécia, Melpomene correu ao largo dos
competidores oficiais. Impedida de entrar no estádio, em
Atenas, contornou o prédio,
terminando a prova que oito
dos 15 competidores oficiais
não conseguiram completar.
Outras guerreiras se seguiram, e o movimento ganhou
também uma face política.
No final da década de 70, a
brasileira Eleonora Mendonça presidiu o Comitê Internacional de Corredores
(IRC, na sigla em inglês),
que, também com a participação de especialistas em
saúde e outros profissionais,
tentava convencer o Comitê
Olímpico Internacional a
aceitar a presença feminina
na maratona.
Eleonora, que começou a
treinar corrida aos 23 anos,
em 1972, participou do primeiro Sul-Americano que
abrigou uma prova de 1.500
metros para mulheres, em
1974. Chegou aos 3.000 também como pioneira e, em
1976, foi conquistada pela
maratona (leia entrevista exclusiva em meu blog).
Mas sua maior realização
talvez tenha sido integrar o
movimento que conseguiu,
enfim, ter a maratona nos
Jogos de 1984 -mesmo ano
em que, como organizadora
de provas, promoveu a até
então maior corrida feminina do mundo, uma competição de cinco quilômetros, no
Ibirapuera, em São Paulo.
Na prova de Los Angeles,
ela terminou em último lugar, depois mesmo da estropiada suíça. Mas, tal como
Gabriela, foi uma desbravadora. E guarda lembranças
de imensa felicidade pela
conquista, em cada passo das
corridas que mantém até hoje, pelas ruas da cidade praiana de Cape Cod, onde mora,
nos EUA.
RODOLFO LUCENA, 50, é editor de Informática da Folha , ultramaratonista e autor de
"Maratonando, Desafios e Descobertas nos
Cinco Continentes" (ed. Record)
rodolfolucena.folha@uol.com.br
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