São Paulo, quinta-feira, 01 de junho de 2006
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Esporte

Modalidade estréia na Olimpíada de Pequim, abre o Pan-Americano no Rio e tem cada vez mais praticantes

Em águas profundas

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tenho um amigo que sempre me pergunta: "Mas para que fazer isso? Que loucura!", toda vez que digo que vou participar de uma prova de maratona aquática.
No fundo, ele tem razão. Não é fácil explicar o que leva alguém a gostar de enfrentar coisas como: levantar cedíssimo, o empurra-empurra da hora da largada, vento, frio, corrente contra e ainda os engraçadinhos que não hesitam em puxar a sua perna para ultrapassar você durante o percurso.
E todo esse "pesadelo", dependendo da distância da travessia -que normalmente varia entre um e 10 km -, pode durar de 20 minutos a quase duas horas. Ininterruptas. Ou mais.
Minhas justificativas são vagas e se perdem entre uma obsessiva atração pelo prazer que há na exaustão física e a sensação de liberdade que dá o contato com o mar e com o ar livre.
As provas de águas abertas estão cada vez mais populares no Brasil. Só o campeonato paulista, promovido pela FAP (Federação Aquática Paulista), tem uma média de 1.500 atletas por etapa, número que vem crescendo anualmente, em média 10% nos últimos três anos.
Ainda há circuitos em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e outros Estados, além do campeonato brasileiro. Também, algumas provas tradicionais, como a da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, e a travessia dos Fortes, no Rio de Janeiro.
Na Olimpíada de Pequim, em 2012, as maratonas aquáticas vão estrear como esporte olímpico. Antes, vão abrir os Jogos Pan-Americanos, que acontecerão no Rio, no ano que vem.
As distâncias de cada prova são variadas. No campeonato paulista, por exemplo, o nadador pode escolher entre as provas curta (1 km), média (3 km) e longa (5 km ou 10 km ).
Quando se olha para os participantes de uma dessas provas, dá para ver que há de tudo, desde gente que só faz isso da vida até pessoas de variadas profissões e classes sociais.

História
O esporte -que pode ser praticado no mar, em rios, lagos ou represas- está longe de ser uma novidade. Na verdade, é muito mais antigo do que a natação em piscinas. E a modalidade ultracompetitiva que hoje assistimos pela TV durante os Jogos Olímpicos começou mesmo ao ar livre.
Em 1896, na primeira Olimpíada dos tempos modernos, as provas de natação foram realizadas no mar. E alguém se lembra de ter visto alguma imagem amarelada daquelas famosas


Até hoje, apenas 10% dos que tentaram atravessar o canal da Mancha conseguiram


competições no rio Tietê, em São Paulo, nas primeiras décadas do século 20?
Mas quem pensa que o fôlego para nadar 1 km na piscina é o mesmo para 1 km no mar está muito enganado. As variantes e os imprevistos são muitos. Há que se enfrentar o frio, calcular o esforço e o ritmo de acordo com a dificuldade de cada trecho e concentrar-se nas bóias que fazem a marcação do percurso para não se perder.
E também tomar cuidado para não começar a ficar paranóico. Sim, porque bastam alguns minutos consigo mesmo para você ser invadido por algumas neuras irracionais (bom, nem todas...), na linha: "vou ter cãibras agora", "me perdi, estou totalmente isolado do resto dos nadadores e vou morrer como aquele cara do filme "Mar Aberto'" ou "o que foi isso, um pingo de chuva?".
O treinamento também é diferente daquele de quem compete em piscina. Menos técnico, mais voltado à força e ao ritmo. O estilo é o nado crawl, só que os braços são mantidos para fora d'água de maneira um pouco mais estendida.
Para passar dos treinos de natação convencionais para os de águas abertas, é preciso ganhar resistência e conformar-se com o fato de que o crawl será o estilo que você mais terá de usar e praticar a partir de agora. Antes de tudo, porém, recomenda-se buscar orientação adequada a cada tipo de atleta.

Canal da Mancha
No cenário internacional, existem diversas travessias, mas o desafio mais importante para um nadador desse gênero ainda é a do canal da Mancha, que separa a França da Inglaterra. O primeiro a atravessá-lo foi o capitão da Marinha inglesa Mattew Webb, em 1875, que levou mais de 20 horas para chegar até o outro lado. O percurso tem 32 km, mas pouca gente consegue atravessá-lo em linha reta por causa das fortes correntes, o que causa aumentos na quilometragem e, conseqüentemente, no tempo do nadador. Hoje, o recorde mundial está abaixo de oito horas, mas nem por isso a travessia ficou mais fácil.


Nas provas, há quem só faz isso e pessoas de variadas profissões


A temperatura da água é muito baixa, o que faz com que a prova só possa ser feita no verão -e não são permitidas roupas especiais para se proteger do frio. As dificuldades fazem com que, até hoje, apenas 10% dos que tentaram conseguiram terminar o percurso. O Brasil tem dois nomes de destaque na galeria dos campeões do canal. Um deles é Abílio Couto, que o atravessou duas vezes, em 1958 e 1959, batendo o recorde mundial da época. O outro é Igor de Souza, que, em 1997, tornou-se um dos cinco nadadores do mundo a fazer o percurso de ida e volta. Bom. Todo esse blablablá não responderá à pergunta do meu amigo, que certamente preferirá um bom DVD e o calor de uma manta na frente da televisão. Mas, tem louco pra tudo, não é?
Sylvia Colombo, 34, é jornalista, mas passou a vida se sentindo um peixe fora d'água


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