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NEURO
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@uol.com.br
Usar os neurônios ainda é o melhor investimento
As últimas décadas mostram que o cérebro melhora com o uso: quanto mais desafiado ele é, melhor ele fica
PRIMEIRO FORAM os videogames, que exercitam a habilidade de atenção seletiva,
memória de trabalho, coordenação motora, raciocínio e
estratégia.
Depois veio a internet, que
tornou ainda mais fácil o
acesso a jogos de menor complexidade. Treinar a memória, a atenção, o raciocínio
está ao alcance de todos
através da rede. Mas isso serve para alguma coisa?
"Não", diz um estudo financiado por um programa
da BBC e publicado na "Nature". Telespectadores se
ofereceram para jogar dez
minutos ao dia, três vezes por
semana, por seis semanas.
Depois disso... não tiveram
nenhuma melhora significativa em suas habilidades cognitivas, embora tivessem melhor desempenho nos jogos
treinados. Conclusão do estudo, alardeada pela imprensa: "Jogar na internet não
adianta nada".
Uma pena a imprensa não
ter dado o mesmo valor a todas as outras pesquisas que
mostram que, sim, exercitar a
memória de trabalho e a
atenção seletiva traz benefícios palpáveis não só a elas
mesmas como também à capacidade de raciocinar e resolver problemas.
Faz sentido: se a memória
de trabalho determina quantas informações conseguimos manter ativas, disponíveis para serem cruzadas e
associadas mentalmente, então melhorar essa memória
deve ajudar no raciocínio.
Funciona até em camundongos: o treino com exercícios que exigem atenção seletiva torna os animais mais
capazes de aprender tarefas
novas em seguida.
Concordo que é importante difundir o resultado negativo do estudo da BBC. Seria
errado levar alguém a crer
que jogar dez minutos na internet ou em "programas de
treinamento do cérebro" vai
torná-lo "mais inteligente".
Mas usar um único estudo
-e baseado em apenas quatro horas totais de treino!-
para desqualificar a importância de exercícios mentais,
quando há todo um corpo de
pesquisas que atestam o valor da prática e do estímulo a
uma atividade mental rica e
intensa, é lamentável.
Ávida por dar a notícia de
que as pessoas estariam gastando tempo e dinheiro à toa,
a mídia reforçou a mensagem de que o empenho é inútil. Nada mais equivocado.
As últimas décadas da
neurociência mostram justamente que o cérebro melhora
com o uso: quanto mais desafiado, melhor fica -e nunca é
tarde para começar.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL,
neurocientista, é professora da UFRJ e
autora de "Pílulas de Neurociência para
uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog
www.suzanaherculanohouzel.com
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