São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009
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SAÚDE

De mãe para filho

Jovens que têm o HIV desde o nascimento contam como superaram a morte dos pais, internações frequentes e preconceito e relatam seus planos

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Thompson Toledo, 22, que já morou em orfanato, casa de apoio e na rua e hoje mora sozinho

FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Eles nasceram poucos anos depois de a Aids começar a se alastrar.
Suas mães eram portadoras do HIV e não tiveram chance de protegê-los -além de não haver, como hoje, políticas para prevenir a transmissão no parto, muitas nem sabiam que tinham o vírus.
Duas décadas depois, a primeira geração de bebês infectados por transmissão vertical (de mãe para filho) nos anos 80 chegou à juventude. Eles já são maioria nos serviços pediátricos de HIV -há poucos casos novos de crianças infectadas.
Quase todos passaram a infância enfrentando doenças oportunistas. Desde pequenos, acostumaram-se com termos técnicos como carga viral, linfócitos CD4 ou genotipagem.
Enfrentaram discriminação, tiveram um complicador a mais em situações já desafiadoras como a descoberta do sexo e ainda se veem às voltas com internações constantes.
Mas dizem que se fortaleceram com as dificuldades e hoje encaram a Aids como uma doença crônica, que exige cuidados, mas não os impede de aproveitar a vida e fazer planos.
A assistente social Luciana Basile notou essa característica ao ouvir alguns desses jovens para seu mestrado, defendido em março, na PUC-RS. "Eles não pensam muito na morte nem têm a autoestima abalada.
A expectativa de vida é grande."
Segundo Marcelo de Freitas, sanitarista do Departamento de DST e Aids do Ministério da Saúde, a infecção do HIV em crianças é mais agressiva. Mas, com o advento de novas drogas, elas tiveram a vida prolongada.
A partir de 1996, foi implantada no país a política de profilaxia da transmissão vertical, que inclui dar antirretrovirais (remédios que impedem a multiplicação do vírus) para gestante e bebê. A chance de contaminação, que era de 25%, hoje é de 1% ou menos.
Para Freitas, a Aids tem padrão de doença crônica, mas só quando há boa adesão ao tratamento. Um grande problema nessa idade é o fato de muitos pararem de tomar o remédio.
"Como eles tomam medicamento desde novos e não têm sintomas, ficam desmotivados", diz Sidnei Pimentel, infectologista do Centro Estadual de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo.
À medida que essas crianças crescem, surgem novas questões a serem enfrentadas, como a transição entre o setor pediátrico e o de adultos no hospital.
No centro, foi criado há um ano um ambulatório de transição, que prepara o jovem para a mudança de setor. "Na pediatria, eles são mais protegidos. O setor de adultos tem mais pacientes, pode ser chocante mudar", afirma Pimentel.
No início do mestrado, Luciana Basile acreditava que esses jovens não tinham espaço na esfera pública. Mas, ao se aproximar deles, viu que essa "invisibilidade social" era intencional. "São eles que buscam não se revelar para se proteger do preconceito. Alguns disseram que falariam se tivessem câncer, mas que não querem dizer que têm Aids."
A seguir, conheça a história de três jovens que enfrentaram essas barreiras e aceitaram falar à Folha.

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Casos de transmissão vertical de Aids foram registrados noBrasilde1980 a junho de 2008, segundo dados do Ministério da Saúde


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