São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009
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"Vou sozinha ao médico desde os 11 anos"

EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Foram três revelações bombásticas no mesmo dia. Aos sete anos, Rosana Cassanti, 23, ficou sabendo, por sua médica, que tinha HIV, que era filha adotiva e como são feitos os bebês. "Eu estava muito debilitada. Não tive infância", diz.
A mãe adotiva havia descoberto a doença pouco antes, após a menina ter pneumonias e anemias recorrentes. Depois de ouvir histórias sobre soldadinhos maus (os vírus) e bons (os anticorpos), Rosana perguntou à médica se a doença tinha cura. "Ela disse: "Não. Mas estamos juntas nessa luta"."
A garota teve que amadurecer cedo. Vai ao médico sozinha desde os 11 anos. Chegou a ficar tão mal que ouvia as enfermeiras dizerem que ela não viveria.
Na escola, aguentava a gozação dos colegas. "Eles arrancavam minha touca e eu chorava, porque estava muito feia, careca, com feridas na cabeça. Falavam que eu tinha malária. Eu nem sabia o que era malária."
Aos 12, Rosana começou a usar drogas: álcool, cocaína, ecstasy. Teve uma overdose e quatro comas alcoólicos.
Beijava vários garotos, mas fugia do sexo. "Eu teria que contar sobre a doença, poderia levar um fora. Dói, não é? Não é que o cara não gostou de você, é um fora preconceituoso."
Dos 12 aos 16, parou de se tratar. "Estava cansada de remédio, doença, preconceito. Acho que queria me destruir." Mentia para a pediatra e para a família. Por causa das várias infecções oculares que teve, perdeu a visão do olho direito.
Quando tinha 14 anos, uma professora disse aos meninos da sala que tomassem cuidado com Rosana porque tinha HIV. "Todo mundo ficou sabendo. Chegaram a jogar giz em mim." Foi aberto um processo contra a escola -ela o arquivou após a professora pedir desculpas.
Depois de largar as drogas, com a ajuda da igreja evangélica Bola de Neve Church, da qual é membro atuante, Rosana voltou a se tratar, apesar de não ter sido fácil tolerar os efeitos colaterais: acúmulo de gordura na barriga, náusea, falta de apetite. Mas o pior para ela foram caroços na coxa e na barriga devido a um remédio injetável. "Nem conseguia usar jeans."
Teve vários empregos em lojas e como operadora de telemarketing. Enfrentou fofocas no trabalho por causa do HIV: os colegas não acreditavam que ela havia se infectado por transmissão vertical. "Diziam: "Ah, aposto que ela pegou na balada, com um cara, usando drogas. Se ela tivesse pegado quando nasceu, não estaria nem viva"."
Hoje, a saúde de Rosana está boa. Ela integra um grupo de jovens que se reúne para conversar e falar sobre cidadania e direitos, formado por portadores e não portadores do vírus, vai ao cinema e adora comer fora. Procura emprego e quer estudar moda. "Desenho roupas e sonho em inventar uma marca. Quero ser a primeira a me formar na minha família."
Quer se casar. "Com o estado da minha doença, posso até engravidar." Diz que sempre conta aos namorados sobre o HIV. "Quem ficar comigo tem que gostar de mim por completo."
Só fica triste ao falar sobre os mais de 15 amigos que perdeu para a Aids. "A morte de pessoas próximas dá medo."
Mas logo recobra o ânimo. "Não posso pensar em coisas ruins. Tenho que lutar, já estou lutando." (FM)


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