São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009
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"Tinha medo de tocar nas pessoas"

EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Quando perguntava por que tomava remédios, Karina Ferreira da Cruz, 22, ouvia da avó que era porque tinha problema de crescimento. "Ela me dizia que eu tinha bebido água do parto e por isso tinha problema para crescer", lembra.
Um dia, aos nove anos, ouviu a avó contar a uma mulher que sua neta tinha Aids. "Falei: "Vó, já que a senhora sabe o que é Aids, me explica porque eu não sei". Ela arregalou os olhos, sem saber o que fazer", lembra.
Karina foi criada por essa avó. Sua mãe morreu quando tinha sete anos e seu pai, que era usuário de drogas, foi assassinado quando ela tinha 16.
Quando "caiu na real" sobre o que era a doença, a menina acabou se isolando. "Tinha medo de tocar nas pessoas e passar a Aids. Para eu ficar com alguém era o caos", diz. Perdeu esse receio com a ajuda de terapia, que fez "desde que se entende por gente" até os 17 anos.
Antes de sua doença ser descoberta, vivia internada. Depois que começou a usar os antirretrovirais, melhorou e quase não teve mais infecções oportunistas na infância.
Karina chegou a tomar 12 remédios por dia. Mas, dos 14 aos 18 anos, parou de seguir o tratamento. "Minha avó parou de me dar os remédios e eu fiquei rebelde. Eu fingia que tomava, mas jogava na privada, cuspia." O fato de não ter dor contribuía. "Não me sentia doente."
Voltou a se tratar depois que o médico disse que estava esgotando todas as combinações disponíveis de remédios e que, se continuasse assim, só poderia tomar medicamentos para controlar a dor, e não a doença.
Karina conta que teve que lidar com a superproteção da avó desde nova. "Ela não me deixava fazer nada: podia tomar apenas um sorvete quando fizesse muito sol. Tinha que voltar para casa às seis da tarde. Até hoje ela é muito zelosa comigo."
Quando quis namorar, aos 15 anos, a avó não deixou. Namorou escondido, mas teve problemas com a mãe do menino, que descobriu que ela tinha Aids. Quando o namorado perguntou por que ela não havia contado a ele, Karina começou a chorar. "Falei que não me sentia preparada. Ele era meu primeiro namorado, tinha muito medo de perdê-lo."
A relação durou mais de um ano, mas não resistiu. A mãe dele chegou a expulsá-lo de casa. "Ela disse que não queria um filho aidético. Ele tinha 18 anos, não conseguiu emprego. Acabamos terminando."
Depois disso, e com a morte do pai, ela entrou em depressão. Recuperou-se com a ajuda da avó. "Ela me dava força. Dizia: "você tem que viver, a vida continua"." Fez teatro, atividade que adorou.
Hoje, é casada com Júnior, 19, auxiliar administrativo, com quem mora na casa da avó. Eles se conheceram em um grupo para jovens que vivem ou convivem com o HIV -Júnior é filho de mãe soropositiva, mas não tem o vírus.
Karina é evangélica. Quer ter filhos, mas, no momento, batalha a casa própria. Pensa em estudar psicologia ou sociologia e, enquanto não cria coragem para enfrentar o vestibular, quer tentar um curso técnico de massoterapia. "Tenho mão boa para massagem."
É muito engajada em projetos ligados ao HIV e trabalha em dois deles, como agente de prevenção e monitora. (FM)


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