São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2007 |
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Outras Idéias - Michael Kepp A coroa de espinhos de Romário
Romário, ao contrário
de Pelé, é polêmico
demais para ser endeusado, contraditório demais para ser classificado.
Quantos "bad boys" são capazes de atitudes comoventes? O
fato de o Baixinho ver a filha
com síndrome de Down como
uma bênção ajudou a reverter o
preconceito contra essas crianças. Quantos atletas procuram
metas pessoais que atrapalham
seu time? O milésimo gol de
Romário, que o consagraria como lenda, virou seu calvário.
Invertendo o significado de
perder e ganhar, Romário nos
força a questionar o que constitui o triunfo e a derrota.
Os momentos mais polêmicos de Romário foram uma mistura de vitórias e derrotas. Ele ganhou muitos desafetos quando mandou pintar, nas portas dos banheiros de seu bar, caricaturas maldosas de Zico e Zagallo, que o cortaram da Copa de 1998 por contusão. Ganhou desafetos e admiradores por não ser um campeão humilde. Em 2004, chamou a si mesmo de "o mais importante jogador (do futebol) desde 1970". Seu descaso com as conseqüências de seus atos gerou sentimentos ambivalentes. O milésimo gol de Romário também estará marcado pela ambivalência. Desde o gol 999, seu time tem perdido e seu técnico foi demitido. No jornal "O Globo", Roberto DaMatta explicou a fonte da angústia: "Jogar somente pensando no gol é um desacato aos processos sociais, uma inversão da lógica dos jogos. O gol decorre da partida, não o contrário". O milésimo também inverte o significado de vencer e perder. Veja o profissional que deixa a carreira arruinar seu casamento ou a mãe cuja atenção exclusiva ao recém-nascido afasta o marido. Veja a menina do filme "Pequena Miss Sun- shine", que une a família em pedaços na tentativa frustrada de vencer um concurso de beleza. Você também aprende mais com derrotas do que com vitórias, o que torna a perda um ganho. Veja o filho que se torna mais autônomo depois da morte de uma mãe dominadora. Vencer e perder envolvem conseqüências imprevisíveis. Por isso, há dias em que ganhamos mais do que perdemos e dias em que perdemos mais do que ganhamos. Mas para que fazer a contabilidade do dia-a-dia das vitórias e derrotas? Quem, entre nós, é um Romário? Quem usa uma estatística como se fosse uma coroa? MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record) Texto Anterior: Pergunte aqui Próximo Texto: Ingrediente: Pistache protege o coração Índice |
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