São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

A luz e as crises de enxaqueca

Não, não se trata apenas de uma dor de cabeça mais forte. Enxaqueca é um tipo específico de dor de cabeça que atinge cerca de 10% da população (nos quais eu me incluo), é estupidamente forte (e considerada bem pior do que as dores do parto por boa parte das mães enxaquecosas) e é realmente debilitante (pois é difícil pensar em qualquer outra coisa, e ainda mais trabalhar, quando metade da sua cabeça parece estar sendo martelada ritmicamente por dentro, você sente enjoo e o melhor lugar do mundo é um quarto escuro).
Quem não sofre de enxaqueca dificilmente consegue apreciar quão excruciante pode ser a dor durante uma crise -felizmente para eles, mas infelizmente para os 10% das pessoas que nessas horas talvez não recebam a devida compreensão.
Para o alívio desses 10%, os neurologistas já reconhecem e tratam a enxaqueca como a condição debilitante que é, e alguns hoje se unem a neurocientistas para entender de onde vem a dor, por que ela é tão forte, geralmente unilateral e associada a enjoo, e por que pode ser disparada por alguns estímulos específicos.
Para algumas pessoas, por exemplo, o gatilho são odores, como perfumes; para outras, certos alimentos ou exercício; para várias, luzes fortes. No meu caso, imagens de alto contraste, como roupas listradas ou monitores de LCD no máximo, são tão perturbadores que me dão enjoo. Ler ao sol? Jamais.
Tenho óculos escuros espalhados em casa, no trabalho e nos dois carros da família para ter certeza que sempre haverá um à mão. Essa aversão à luz, ou fotofobia, é exacerbada durante a crise de enxaqueca, quando até a luz ambiente dói -fato quase incompreensível para quem é dono de um cérebro normal. Um estudo publicado na revista "Nature Neuroscience" acaba de identificar uma fonte provável dessa fotofobia: células ganglionares da retina que são sensíveis não a estímulos visuais específicos, mas à intensidade da luz difusa.
O estudo mostrou que os mesmos neurônios que recebem sinais das meninges que envolvem o cérebro, em geral inflamadas na crise de enxaqueca e que de fato doem, também recebem sinais dos olhos sobre a luz ambiente. Devido à convergência de sinais, quanto mais forte a luz, mais forte o cérebro interpreta ser a dor que vem das meninges.
Ainda que não se traduza em nenhum novo tratamento imediato, a nova descoberta já faz algo importante: explicar aos sãos que, para um enxaquecoso em crise, a luz dói tanto quanto em um vampiro!

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

suzanahh@gmail.com



Texto Anterior: Avó materna como mediadora
Próximo Texto: Poucas e boas: Creme caseiro corporal usa azeite de oliva
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.