São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2010
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CRUDÍVOROS!

Para lá de vegetarianos, os adeptos da alimentação crua defendem sua dieta exótica com unhas e dentes

Rafael Andrade/Folhapress
Inês Braconnot, 58, artista plástica

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Se você tira o arroz, o feijão, o bife e a batata frita do seu cardápio, o que sobra?
Mais de 5.000 espécies de legumes, frutas e sementes, dizem os crudívoros, adeptos de uma dieta que leva apenas alimentos crus.
Superpopular nos EUA, em especial na Califórnia, onde surgiu nos anos 90, o movimento "raw food" cresce, agora, por aqui. Seus seguidores dizem que alimentos crus ou aquecidos abaixo de 46ºC mantêm enzimas e nutrientes essenciais, que se perdem com o cozimento.
Quem segue à risca afirma que a dieta traz benefícios, a começar pela maior facilidade de digestão.
"Gosto do sabor e das texturas, da forma de comer sem sujar coisas e sem gastar energia. Adotei o pacote completo", diz a carioca Inês Braconnot, que há dez anos virou, além de vegetariana, 100% crudívora.
Assim como ela, a maioria dos seguidores não come nada de origem animal. Mas poucos conseguem aposentar o fogão definitivamente. "Prefiro falar em um cardápio com 80% de alimentos crus. Isso é suficiente para melhorar a qualidade de vida. Seguir 100% é muito limitante", diz o gastroenterologista Alberto Gonzalez, autor do livro "Lugar de Médico é na Cozinha" (Alaúde, 300 págs., R$ 49,90).
Inês reconhece que não é nada fácil viver em um mundo cheio de pizzarias e restaurantes por quilo. Em seu blog, "O Diário de uma Krud", ela conta as peripécias que faz para comer fora (quando tem coragem).
Como no dia em que, numa casa de bruschettas, pediu para que substituíssem o pão por fatias de abobrinha. "Toparam, mas falaram para, da próxima vez, eu avisar com antecedência", lembra.
Só nos EUA são mais de 300 restaurantes de comida crua. A estimativa é do chef Matthew Kenney, um dos pioneiros no ramo e autor de quatro livros sobre o assunto.
"A raw food tem mais intensidade e integridade de sabor do que qualquer outra culinária", disse ele à Folha. Kenney acredita de verdade que é possível existir alta gastronomia mesmo nunca conjugando o verbo cozinhar.

FORÇA NA GRANOLA
O hábito de comer comida crua não tem nada de novo: quase toda culinária tem seu momento fresco e rústico, para não falar, obviamente, na cozinha japonesa, ou na peruana -que está na moda no mundo.
A "raw food" está mais popular, segundo a chef Carla Pernambuco. Em seu último livro, "Dez x 10 -100 receitas para comer de joelhos" (Leya Brasil, 246 págs., R$ 74,90), ela dedicou um capítulo só para receitas cruas tradicionais. "Sem cozinhar, o sabor dos ingredientes é aproveitado ao máximo", diz.
Aqui, há poucas pessoas trabalhando com raw food. Uma delas é Tiana Rodrigues, 90% crudívora, chef do restaurante Universo Orgânico. "Nos dias de folga, como arroz integral e tomo uma sopa quente".
Nos outros dias, a chef crudívora almoça no próprio restaurante. No menu, hambúrguer de cogumelo e macarrão cabelo de anjo feito com tiras de abobrinha. Tudo feito a menos de 40ºC.
Engana-se quem pensa que o preparo é mais fácil. A granola crua, por exemplo, demora 48 horas para desidratar. Alguns pães feitos no sol podem ficar prontos só depois de quatro dias.
Para quem segue a chamada alimentação viva, a comida não basta estar crua.
"Todos os pratos precisam ter uma semente em germinação ou um broto", explica Maria Luiza Branco, médica e coordenadora do projeto Terrapia, da Fiocruz.
Criado há 13 anos, o trabalho difunde a prática da alimentação viva em aulas de culinária e oficinas de "contato com a natureza" que incluem aquelas vivências onde você pisa na grama e abraça árvores.
A coordenadora do projeto é adepta da filosofia desde 1996. Tudo o que ela come sempre tem algum broto ou semente germinada. "São alimentos que carregam a energia da vida", justifica.
Nesse tipo de culinária, não há uma preocupação com o valor nutricional dos alimentos. Para Maria Luiza, "a vida alimenta a vida" e isso basta. Vitamina, diz, é coisa de nutricionista.
"Eles acreditam que a natureza é completa e dificilmente vão aceitar tomar algum suplemento", analisa o nutrólogo Eric Slywitch da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira).
De acordo com o médico, manter a dieta crua a longo prazo pode causar deficiência de vitamina B12, presente apenas em proteínas.
Além do mais, não existe nenhuma comprovação de que as enzimas dos alimentos ajudem na digestão. "Também não há uma alteração significativa na quantidade de fibras nem de vitaminas". O cozimento só reduz vitaminas solúveis em água, especialmente a C e a B9.
Apesar de não ter comprovação científica, a dieta crudívora traz benefícios à saúde pelo simples fato de ter muitos vegetais.
Quem comprovou isso é a violinista Ana Paula Machado de Lima, 34, hoje 50% crudívora e com planos de chegar aos 80%.
"Em dois meses, fiquei curada de uma esofagite e emagreci seis quilos". O segredo, acha ela, foi tirar os doces e acrescentar o suco verde feito com frutas, folhas e sementes germinadas. "Chocolate? Nem no xampu, mais."

Inês Braconnot, 58, artista plástica
Desjejum: Água de coco
Café da manhã: 2 bananas, 1 fatia de mamão, passas, nozes e iogurte de leite de coco feito em casa
Almoço: Salada de folhas com maionese de gergelim, abacate e tomate sobre torradas de linhaça, chucrute de repolho roxo com maçãs verdes e ervas
Lanche: Barrinha de cereais feita em casa com banana, castanha-do-pará, maçã desidratada e uva-passa
Jantar: Sopa de cenoura com pão especial (feito no desidratador com trigo germinado) e pasta de amêndoas
Ceia: 1 banana bem madura com água de coco e cardamomo

Ana Paula Machado de Lima, 34, violinista
Café da manhã: 1 ou 2 fatias de pão integral tradicional e meio mamão, ou 2 bananas amassadas
Almoço: Caldeirada de frutos do mato (cenoura, abobrinha, berinjela e abóbora picadas, aquecidas a 40ºC e temperadas com orégano e sal). Uma porção de arroz integral sete grãos cozido ou arroz com feijão comum
Lanche: 1 copo de suco verde de folhas (foto), legumes e sementes germinadas
Jantar: Castanha-do-pará, nozes, uva-passa e manga

Tiana Rodrigues, 48, chef de cozinha
Café da manhã: Suco feito com couve, broto de alfafa, maçã, gengibre e capim-limão
Lanche: Frutas com granola e barras energéticas feitas a 40ºC
Almoço: Salada de tomate, folhas e brotos germinados, legumes feitos no vapor e arroz integral
Lanche: Suco de agrião com manga batido com água de coco
Jantar: Sopa de batata-baroa batida no liquidificador


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