São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Cursos de férias podem impedir parte gostosa da vida

"O que fazer com os filhos nas férias?" Empresas que oferecem acampamento, recreação e a prática de vários tipos de arte em tempo parcial ou total a crianças e adolescentes ou mesmo aqueles que propõem imersão total em local onde se fala apenas em alguma língua estrangeira seduzem os pais que percebem as férias dos filhos quase como um pesadelo. É filho pequeno sem ter o que fazer e que, na falta de qualquer atividade programada, se joga no sofá em frente à TV e fica horas por lá, hipnotizado; é filho maior que inventa traquinagens que nem sempre acabam bem; é filho que provoca incidentes com vizinhos ou que fica pendurado no telefone por horas ou que reclama de não ter o que fazer. Essa desorganização de tempo e espaço faz muitos pais acreditarem que só um programa pode colocar ordem na vida dos filhos no período em que não têm escola.
Até pode ser que funcione, desde que o filho curta, queira, goste. Mas muitos vão mesmo porque os pais não lhes oferecem outra saída. "Durante as férias de meus filhos, eu trabalho, por isso preciso achar alguma coisa para fazerem. O problema é que, nestas férias, o orçamento apertou, e fico desesperada só de pensar o que vai ser", escreveu uma mãe com filhos de até nove anos de idade. E agora?
Este pode ser um bom momento para deixar os filhos se encontrarem um pouco consigo mesmos. É claro que isso significa coisa diferente de abandonar os filhos à própria sorte.
Quando passa o ano dirigida por rotinas e atividades preestabelecidas, a criança fica sem autonomia para administrar seu tempo e saber o que quer, o que pode e o que precisa fazer. Assim, se for deixada sem referência nenhuma, pode ser até que se perca ou que faça coisas que exijam a presença dos pais, mesmo que seja para dar broncas ou castigos restritivos. O que fazer, então?
Primeiro, deixar claro os limites de algumas coisas que ela pode fazer e o que não deve fazer. E isso deve incluir a convivência com quem está por perto, inclusive cuidando da criança. Televisão? Os pais decidem quanto e em quais horários. Sair, descer no prédio? Igualmente. Sugestões de atividades infantis sempre são bem-vindas também. Muitos pais acreditam que a educação dos filhos se dá mesmo é na presença dos pais durante boa parte do dia. Não precisa ser assim. Os pais podem -e devem- administrar a educação a distância, dando as orientações necessárias a quem cuida dos filhos e aos próprios filhos. Mas, para que isso funcione, os filhos precisam perceber que há um vínculo forte entre os pais e eles. É aí que entra a parte boa das férias dos filhos.
Mesmo trabalhando, os pais podem reservar tempo para a convivência com os filhos. E atividades mediadoras dessa convivência ajudam muito a desenvolver a relação de pertencimento familiar. Contar histórias, por exemplo. Só que a história não é a parte mais importante nessa hora, e sim o diálogo que ela possibilita entre pais e filhos. Acompanhar o filho nas viagens imaginárias que ele pode fazer ao ouvir uma história, as relações que ele faz do relato com a vida, com a arte e com a cultura, acompanhar o aprendizado que essa atividade possibilita, esses são momentos adoráveis de pais com filhos.
Organizar as fotos da família, recriando sua história, é outro momento delicioso. Isso permite aos filhos apreender com mais leveza a tradição familiar e estabelecer sua identidade.
Acompanhar pesquisas na internet, de interesse dele, e não escolar, é claro, é outra sugestão que pode ser interessante e também ajuda o filho a dominar esse instrumento tão complexo que é a rede.
Poderia listar uma série de sugestões, mas cada família tem seu estilo e é dentro dele e considerando o jeito dos filhos que devem surgir atividades mediadoras da relação. O importante é que sejam momentos de encontro. Não é essa uma parte gostosa da vida?


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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