São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2007
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atletismo

Derrubando barreiras

Pela primeira vez na história, o Pan terá a prova de 3.000 metros com obstáculos para mulheres, que os homens disputam desde o século 19

Raimundo Paccó/Folha Imagem
Zenaide Vieira: "Quando você passa um obstáculo, já tem que ver o outro; você tem que se concentrar em tentar passar bem os obstáculos e correr bem"

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

S ão sete voltas e meia na pista de atletismo, mais de 30 saltos sobre diferentes obstáculos, menos de dez minutos de competição intensa. E, até hoje, está restrita ao "clube do bolinha".
Pela primeira vez, os Jogos Pan-Americanos vão abrigar a prova de 3.000 metros com obstáculos para mulheres. No ano que vem, a versão feminina dessa competição, que é disputada pelos homens desde o final do século 19, chegará aos Jogos Olímpicos.
E, se tudo der certo, haverá competidoras brasileiras nas listas de largada no Rio e em Pequim. A seleção brasileira ainda não está definida.
Zenaide Vieira e Michelle Barreto da Costa são as duas atletas nacionais mais bem colocadas no ranking mundial dessa modalidade, que tem quatro brasileiras entre as 50 melhores do mundo (veja quadro). É a prova feminina em que o país tem mais atletas entre os melhores desempenhos internacionais.
Zenaide e Michelle, que começaram a vida esportiva nos primeiros anos da adolescência, dizem não ter sofrido discriminação e não acreditam que a ausência da prova na competição regional mais importante -e mesmo nos Jogos Olímpicos- configure algum desmerecimento à prática esportiva feminina.
Talvez essa seja uma sensação generalizada. Não houve, como no caso da maratona feminina, um movimento organizado para inclusão dessa competição no menu olímpico.
Para técnicos e especialistas consultados pela Folha, a prova só agora chega ao topo das competições internacionais por um processo "natural" de evolução. Cresce o número de competidoras em cada país, amplia-se o número de competições internacionais e os resultados obtidos pelas atletas já se tornam mais significativos.
Mas havia também, diz Clodoaldo do Carmo, ex-atleta olímpico e treinador das duas "obstaculistas", um certo sentimento de "proteção" à mulher.
"Assim como o salto triplo, a prova de obstáculos era considerada contra-indicada para as mulheres principalmente pelo fato de terem o centro de gravidade mais baixo e também devido à formação óssea sacro-ilíaca (quadril) ser diferenciada da do homem -a da mulher é mais larga e preparada principalmente para a gestação. Achava-se que a prova traria muito impacto a essa região e também para a coluna lombar."

Lesão e recorde
De fato, a prova é jogo duro. Não por acaso, as duas atletas brasileiras mais bem ranqueadas estão no estaleiro. Zenaide sofre com uma inflamação no calcanhar direito, e Michelle está se recuperando de uma cirurgia no joelho direito.
As lesões, por sinal, são a pior coisa da corrida de obstáculos, na opinião de Zenaide: "Ela pode machucar mais do que uma prova normal, dar mais lesões do que uma prova sem obstáculos. Essa é a parte ruim. Bem na hora em que você está se preparando bem, aí vem a lesão. Só que tem que saber conviver, porque elas acontecem".
Podem vir em um salto, numa queda ou na transposição do temido fosso, que Michelle considera a pior parte da prova:
"Você tem de tentar cair fora da água o mais longe possível. Para isso, precisa usar muita força, entrar muito rápido no fosso. Como você já está cansada, ir rápido e usar a força ali é bem complicado".
Mas a contusão pode significar também um período de necessário descanso para o atleta. Não é incomum que marcas sejam melhoradas depois de alguma lesão.
Em abril do ano passado, Zenaide treinava na Colômbia, preparando-se para uma prova importante em São Paulo.
"No dia em que eu vim embora, senti uma dor na panturrilha. Cheguei aqui no sábado, essa prova seria na sexta seguinte. Fiquei a semana inteira sem treinar. Chegou na hora, o médico falou que achava que não era nada. Eu fiz o exame, ele falou que era para eu correr, que eu só parasse se eu sentisse dor. Aí eu fui. Foi tanta a vontade que acabei batendo o recorde sul-americano."
De qualquer forma, as lesões atacam homens e mulheres. E as tais considerações supostamente científicas e protetoras caíram por terra quando a prova passou a ser disputada por mulheres de países da então chamada Cortina de Ferro.
Logo outras nações começaram a aderir e passaram a acontecer competições regionais e internacionais. Os obstáculos demoraram mais a cair nos campeonatos mais elitistas, organizados sob a égide olímpica ou da federação internacional.
O primeiro Mundial em que as mulheres disputaram os 3.000 metros com obstáculos foi o juvenil de 2004, em Grosseto, na Itália, quando Zenaide Vieira terminou em oitavo lugar. No adulto, a estréia da prova foi no Mundial de Helsinque, Finlândia, em 2005.


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