São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003
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s.o.s. família rosely sayão

Não abandone o posto nem nas férias

No período de férias escolares, as relações familiares ficam bastante intensificadas. Mesmo que os pais não tirem férias do trabalho, o que não costuma ser frequente, sempre há um pouco mais de tempo e disponibilidade para a convivência. Isso é muito bom para todos, mesmo quando os conflitos ficam mais evidentes: é uma grande chance de atualizar e reforçar os vínculos afetivos entre os membros da família.
Mas, para que isso aconteça, os pais precisam se lembrar de que devem priorizar o relacionamento com os filhos e entre si, não o consumo, como infelizmente costuma acontecer sem que os pais sequer se dêem conta disso. Um exemplo? Muitos pais resolvem liberar a mesada para que os filhos possam "aproveitar" mais as férias. Isso significa tomar quantos sorvetes tiver vontade e aguentar comer todos os lanches possíveis, comprar revistinhas e porcariazinhas mil etc. Será que isso leva a alguma coisa?
Claro que os filhos vão gostar de ter autorização para praticar excessos, mas isso, decididamente, só contribui para a valorização do consumo acima de qualquer outra diversão. Afinal, o consumo é mais importante do que os valores familiares, do que o relacionamento, do que a amizade?
Não pode ser. E, durante as férias, os valores devem continuar em pé, não é verdade? E já que esse é um período de mais relaxamento, de menos vigilância e mais proximidade e de programas comuns, muitas famílias aproveitam para exercitar um pouco a convivência democrática, ou seja, ouvir mais os filhos, considerar melhor as vontades deles e seus argumentos.
Há pouco tempo, a novela "O Beijo do Vampiro" mostrou uma cena singela do que muitos entendem por democracia familiar: uma personagem, viúva e mãe de quatro filhos, tinha decidido, com o namorado, mudar-se de cidade, mas os filhos não tinham gostado da idéia. O casal resolveu então colocar em votação a decisão. Resultado: quatro votos -dos filhos, é claro- contra a mudança e dois do casal, favoráveis a ela. Decisão final: o casal reconheceu a derrota e suspendeu a mudança.
À primeira vista, parece uma família democrática. Engano: os pais não podem abrir mão de seu papel em nome de uma ilusória socialização democrática dos filhos. Será que é possível, como no caso da novela, deixar os rumos da família nas mãos de crianças, cujos interesses estão sempre voltados ao presente delas? Não: os adultos não podem abdicar do papel que é deles.
Os filhos podem -e devem- ser ouvidos sempre. No caso das férias, por exemplo, que tal a família discutir o programa a fazer considerando as vontades dos filhos, seus argumentos, seus interesses? Mas considerar não significa acatar. Significa avaliar a possibilidade e a pertinência naquele determinado contexto e em relação a todos do grupo. E isso, convenhamos, é papel de adulto, de pais.
Os filhos nem sempre vão aceitar as decisões dos pais: vão bater o pé, fazer oposição velada e ousada e até gritar tentando fazer valer o que querem. É um direito deles, tanto quanto um dever dos pais permitir que eles se expressem. Mas a decisão mesmo deve ser a dos pais. Agir assim é agir com autoridade, e a autoridade dos pais, bem colocada e assumida, contribui para a autonomia dos filhos e para uma dinâmica familiar saudável.
Ser mais ou menos liberal na educação dos filhos é uma escolha ou um perfil dos pais. Mas sempre a relação é vertical, portanto assimétrica. Quando o relacionamento entre pais e filhos se dá na horizontal, ou seja, quando há simetria dos papéis, é porque o lugar dos adultos -melhor dizendo, o lugar dos pais- ficou vazio. Para os filhos, isso não é benéfico, nem mesmo nas férias.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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