São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007
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entrevista

Obrigação de ser bonito

Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC investiga como ser magro virou passaporte para a aceitação social

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A grande passarela em que se transformou a sociedade contemporânea reflete uma realidade não só enferma como moralizadora, em que ser considerado belo se tornou "obrigação", segundo a psicóloga Joana de Vilhena Novaes, autora do recém-lançado "O Intolerável Peso da Feiúra" (PUC/ Garamond, R$ 30, 270 págs.).
Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social da PUC-Rio, Novaes investigou como o físico se converteu em passaporte para a aceitação.

 

FOLHA - A associação direta entre extrema magreza e beleza é fenômeno recente. Um símbolo sexual poderoso, Marilyn Monroe, diz-se, vestia 46...
JOANA DE VILHENA NOVAES
- O que é próprio da contemporaneidade é a moralização da beleza. De atributo divino ou da natureza, a beleza passou a ser um denotativo de caráter: "só é feio quem quer". A cultura do "body-building" e do "body-modification" foi maciçamente importada dos EUA. Uma das máximas do "american way of life" que permeia o culto ao corpo é a conhecida "no pain, no gain": é preciso muito esforço para vencer numa sociedade tão competitiva.

FOLHA - Que conclusões obteve a partir dos depoimentos para o livro?
NOVAES
- Se, por um lado, elas se mantêm aprisionadas no ideal de corpo vigente, por outro, não estão tão passivas assim em relação ao desejo de transformação. Para preservar a juventude e conseqüentemente a "boa aparência", tudo deve ser tentado. Esse "tudo" é que é o problema. O trágico aumento da anorexia e da bulimia comprova a força dessa ditadura. Mas não devemos esquecer a melhora na auto-estima que um novo corpo pode fornecer.


[...] "De atributo divino ou da natureza, a beleza passou a ser um denotativo de caráter: "só é feio quem quer'"


Entre pacientes obesas, a possibilidade de levar uma vida normal basta para inserir essas mulheres em um mundo mais rico em termos de relações pessoais, alterando radicalmente suas formas de sociabilidade.

FOLHA - Em blogs, pessoas gordas se dizem felizes com seus corpos. Isso não desafia a noção de que seja "intolerável" o peso da "feiúra"?
NOVAES
- Claro que existem pessoas felizes! Mas isso não quer dizer que não exista preconceito. As pesquisas estão aí mostrando que as empresas não estão contratando pessoas gordas. Mas temos essa tradição de negar nossos preconceitos. Considero positivos esses movimentos de resistência e proponho uma ação afirmativa para os gordos, de modo que a primeira providência para que possamos combater o preconceito seja não negá-lo.

FOLHA - Kate Moss foi a "modelo do ano". Beleza não só virou sinônimo de magreza como se dissociou da idéia de saúde?
NOVAES
- É justamente esse o grande engodo! O pulo-do-gato é a compreensão de que essa associação entre saúde, bem-estar e estética é uma construção contemporânea e nada tem de natural. Aspectos como o aumento significativo dos casos de transtornos alimentares e das cirurgias plásticas apontam para o horror à gordura como um sintoma social -as pessoas estão de fato adoecendo.


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