São Paulo, quinta-feira, 12 de março de 2009
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FITNESS

Correndo da fome

Estudo mostra que a prática de exercícios intensos não abre o apetite, e sim diminui a fome; sensação de saciedade é mais acentuada e duradoura depois de atividades aeróbicas, como a corrida

Rafael Hupsel/Folha Imagem
A personal trainer Paula Lopes, 28, que não sente fome depois da academia

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Se fôssemos máquinas, a relação seria simples: o combustível leva ao funcionamento, que exige mais combustível. Mas, em nosso corpo, essa equação apresenta certas singularidades, a começar pelo aparente paradoxo: quanto mais exercício, menos fome.
Um estudo britânico divulgado recentemente mostrou que, após a prática de caminhada (atividade física moderada), os atletas sentiam fome normalmente. Mas, se os exercícios fossem de alta intensidade, eles perdiam o apetite. O resultado também variava conforme o tipo de treino. Constatou-se que quem fazia atividades aeróbicas perdia a fome por ainda mais tempo do que quem havia realizado atividades de resistência muscular.
É algo que a dona-de-casa Magda Raso, 47, observa em seu dia-a-dia. "Quando volto da academia, não sinto fome. E isso é mais forte após o "spinning" e a corrida do que depois da sessão de musculação."
Segundo o estudo, a supressão da fome é mais acentuada na primeira hora após o treino. Mas, comparando quem fez com quem não fez exercícios, observou-se que a diferença entre ambos era significativa por até duas horas. Após esse período, a fome volta a ser igual à de quem não treinou.
O mecanismo pelo qual os exercícios afetam o apetite ainda não foi esclarecido. Uma das hipóteses é que essa resposta esteja ligada ao aquecimento do corpo durante a atividade.
"Sugere-se que o aumento na temperatura corporal leve à supressão de apetite. Isso pode explicar uma supressão da fome mais intensa após a corrida do que após o levantamento de peso, já que a corrida provavelmente aquece mais o corpo", disse à Folha David Stensel, líder do estudo e professor da Loughborough University. Para testar a idéia, ele avalia agora o efeito da natação na fome.
O que já se sabe é que os hormônios são peças fundamentais desse quebra-cabeça.
No estudo conduzido por Stensel, a fome dos atletas foi "medida" por questionários e por exames de sangue, que avaliaram a concentração de substâncias como a grelina -hormônio que avisa o cérebro de que está na hora de comer. Quando nos alimentamos, entram em ação outros hormônios, que ativam a sensação de saciedade.
Constatou-se que o treino intenso tanto reduz a concentração de grelina quanto eleva a liberação de PYY -um dos hormônios que levam à saciedade. Resultado: menos fome.

Obesidade
Seria uma ótima notícia para quem enfrenta problemas com a balança -se a própria obesidade não atrapalhasse o processo. Um estudo da Universidade de Michigan com mulheres na pós-menopausa mostrou que a corrida realmente reduzia a fome das participantes magras, mas não tinha o mesmo efeito nas mulheres obesas.
Katarina Borer, que conduziu o trabalho, explica que o problema está na ação da leptina, hormônio que gera a sensação de saciedade. A leptina é liberada pela gordura corporal e, portanto, obesos a produzem em grande quantidade. Esse excesso acaba deixando o organismo "acostumado" com o hormônio -e a mensagem de saciedade fica menos eficaz.
"É uma bola de neve: quanto mais as pessoas engordam, menos sensíveis ficam à leptina, que induz a saciedade. Por isso, mais fome sentem", diz a nutricionista Ioná Zalcman Zimberg, pesquisadora do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Efeito psicológico
Mas isso não deve desestimular obesos a adotarem uma atividade física, ressalta Zimberg, pois a prática rotineira de exercícios tem um impacto que supera a questão hormonal.
"O exercício tem um efeito psicológico fortíssimo. Quem começa a se exercitar regularmente acaba buscando também um estilo de vida mais saudável, o que inclui a busca por alimentos adequados e a preocupação com a qualidade do sono, entre outros aspectos", afirma. "Já quem se exercita só uma vez por semana não tem esse ganho. Na verdade, a pessoa pode sentir que, por ter feito uma atividade física, está liberada para consumir o que quiser sem peso na consciência e acabar engordando."
Walmir Coutinho, diretor da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), acrescenta que atividades físicas intensas, principalmente as aeróbicas, também levam à liberação de neurotransmissores como a noradrenalina, que diminui a fome, e a serotonina, que promove a sensação de bem-estar e faz com que o corpo se sinta saciado mesmo com pouca comida.
Não por acaso, os inibidores de apetite costumam ter como base a ação desses dois neurotransmissores no organismo, explica Coutinho.
Mas ele prefere não generalizar as consequências do exercício para o apetite. "Embora a maioria dos atletas sinta inapetência após o treino, essa é uma questão individual", afirma.
Coutinho cita como exemplo a ação da endorfina -neurotransmissor também liberado durante as atividades físicas intensas e associado à sensação de euforia. "Em algumas pessoas, a endorfina diminui a fome. Em outras, aumenta."
A personal trainer Paula Lopes, 28, está no grupo que se sente saciado depois de se exercitar. "Após o treino, principalmente quando faço exercícios aeróbicos, tenho uma sensação de prazer inexplicável e não tenho vontade de comer nada. Isso dura cerca de uma hora."
Mesmo sem fome, ela busca tomar um "shake" de proteína assim que termina a atividade para repor a energia gasta.
De acordo com a nutricionista Ioná Zimberg, essa é a atitude correta, já que a recuperação muscular é mais efetiva se o atleta se alimentar dentro de uma hora após a atividade física. O cardápio deve ser composto, principalmente, por carboidrato e proteína.
Ela ressalta ainda a importância da alimentação antes do exercício. "Quem treina em jejum gasta a proteína do corpo para se manter ativo e pode perder massa muscular, em vez de ganhar." Há, ainda, o risco de o atleta ter um quadro de hipoglicemia (diminuição da concentração adequada de glicose no sangue).
O publicitário Danilo Ken, 27, sabe disso, mas, como costuma acordar atrasado para o treino, muitas vezes pratica corrida em jejum. "Durante o treino, é tranquilo. Não sinto fome. Mas, quando acabo, sinto que podia comer um prato de arroz com feijão, mesmo sendo apenas 8h da manhã."
Também é bom prestar atenção para não deixar que a prática de exercícios pare de ser uma fonte de bem-estar e se transforme em mais uma razão de estresse.
Afinal, como explica Coutinho, diretor da Sbem, o estresse libera outro hormônio (neuropeptídeo Y) que, assim como a grelina, aumenta a fome. Mas com uma característica adicional: faz com que a comida ingerida seja transformada em gordura abdominal, a mais danosa para a saúde.


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