São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004
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Uma nova paisagem para a educação

Pedro Azevedo/Folha Imagem
Crianças brincam no "ludo-cross" do Colégio Pentágono, em São Paulo (SP)


Escolas investem na construção de pátios com áreas verdes, variedade de materiais e brinquedos integrados e levam as aulas para além das paredes das classes

RODRIGO GERHARDT
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As brincadeiras das crianças na hora do intervalo, a agitação em sala de aula e o interesse em aprender são influenciados pelo tipo de área livre que fica à disposição delas nas escolas. Especialistas impulsionados pelos estudos da psicologia ambiental, que relaciona a importância do meio para o desenvolvimento humano, têm defendido o valor do pátio planejado para a formação dos alunos. Um dos componentes mais importantes desse ambiente é a presença da natureza. A convivência em áreas verdes aumenta a concentração do aluno e contribui diretamente para o seu amadurecimento emocional e para as suas relações sociais. Em razão disso, algumas escolas estão adotando cenários até então comuns aos parques. Bosques, jardins, fontes d'água e animais já têm fins pedagógicos.
Na escola infantil Ciranda da Educação, em Cotia, na região metropolitana de São Paulo, isso é levado ao pé da letra. Lá não há salas de aula nem classes definidas. As 20 crianças, de dois a seis anos de idade, convivem durante as tardes em um espaço de 32 mil m2, com direito a lago, cavalo e até galinheiro -o local preferido das menores. O aprendizado acontece na interação com o ambiente e durante as brincadeiras. A colheita de frutas no pomar pode ser uma aula de matemática, a floração do jardim ensina sobre o ciclo da vida, o bambuzal se transforma em palco para a encenação de várias aventuras.
Seguindo a "pedagogia da sensibilidade" adotada pela escola, a alfabetização não é deixada de lado, mas fica em segundo plano. O foco é proporcionar "experimentações sensoriais" aos alunos nessa primeira fase da vida. Segundo a coordenadora pedagógica e proprietária do "sítio-escola", Gisela Aragoni Schiavo, a vivência dessa liberdade em meio à natureza permite detectar comportamentos que estariam inibidos em salas de aula tradicionais. "Percebemos em algumas crianças, por exemplo, manifestações de uma sexualidade precoce."
Em sua investigação sobre a relação ambiente-escola na educação infantil, a pesquisadora Gleice Elali, do Núcleo de Interações Pessoa-Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aponta uma necessidade maior e declarada pelo contato com ambientes naturais entre as crianças mais novas. Com o avanço da idade, essa necessidade volta-se para a aceitação social, o que leva os jovens a se interessarem gradativamente pelas atividades em grupo em áreas relativamente fechadas e pelo uso de novas tecnologias como fonte de experiências lúdicas.
Para Elali, como recebemos mais informação do meio do que pela forma oral, é no contato com a natureza que a criança aprende seus próprios limites, desafia obstáculos e supera seus medos. Ao estender a mão para pegar uma fruta no pé, ela entende o que é distância melhor do que assistindo a um vídeo educativo. "Questiono o que o ambiente físico das escolas está ensinado aos nossos alunos. Entrevistei crianças que entendiam o ovo como uma coisa totalmente dissociada da galinha", diz a pesquisadora.

Metro quadrado por aluno
Além do contato com o verde, o tamanho da área de que a criança dispõe para brincar também exerce influência sobre ela. Em sua tese de doutorado, o psicólogo Fábio Sager, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constatou que, paradoxalmente, nos pátios pequenos, em que as crianças estão mais próximas, elas tendem a se relacionar menos umas com as outras, buscam brincadeiras individuais e os conflitos com os colegas são mais freqüentes. Em comparação, nos pátios grandes, a formação espontânea de grupos é maior, motivada pela possibilidade de se escolher com quem brincar. As áreas vazias, em contrapartida, estimulam o corre-corre.
Mas o que é um pátio grande ou pequeno? O MEC (Ministério da Educação) não estabelece critérios e sua única recomendação é que a área livre deva ocupar 50% do terreno escolar. "Nesse sentido, as escolas públicas são melhores do que as particulares. Muitas instituições privadas foram instaladas em prédios já construídos, onde não houve planejamento de área livre", avalia Sager.
No Brasil, alguns estudiosos de psicologia ambiental sugerem como parâmetros aqueles estabelecidos em pesquisas no Canadá: 7 m2 de área por aluno como o mínimo; 10 m2 como o recomendado; 20 m2 como o generoso. Na prática, há escolas que não chegam a 3 m2 por aluno e as conseqüências para a criança são frustração e disputa por espaço, com vitória geralmente dos maiores sobre os menores.
"Com as novas tecnologias, a tendência das escolas é privilegiar os espaços internos. Elas se preocupam mais em informatizar as salas de aula do que em valorizar o pátio. É uma pena que não haja uma política pública para isso", afirma Sheila Ornstein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que no ano passado coordenou um trabalho de avaliação da pós-ocupação do espaço físico em pré-escolas de São Paulo.
Como a maioria das instituições de ensino não dispõe de grandes áreas, principalmente as que estão nos centros urbanos, a solução está no gerenciamento do espaço, como dividir as turmas para utilizá-lo em horários diferentes. Para a doutora em paisagismo Beatriz Fedrizzi, autora do manual "Paisagismo no Pátio Escolar" (Editora da Universidade/ UFRGS), não basta julgar apenas a metragem do terreno, a qualidade também é importante. "Uma área grande sem nada para ser feito torna-se pequena. Fica subutilizada", explica Fedrizzi, que aponta os pátios inteiramente cimentados e sem planejamento como os piores.
A solução para essas áreas livres está na diversidade -tanto de materiais utilizados na construção como nas situações que podem fazer surgir às crianças. Uma elevação do terreno pode ser um grande obstáculo a ser conquistado, da mesma forma como os "cantinhos de privacidade" devem ser previstos -locais onde a criança possa ficar sozinha longe da vista dos adultos e aproveitar para estar consigo mesma.
O desafio é quando a área é muito pequena ou não suporta grandes intervenções. Para incrementar o uso do seu pátio, de 800 m2, todo cimentado e com poucos recursos, o colégio Pentágono, na zona sul de São Paulo, apelou para a arquiteta e paisagista Maria Cecília Gorski, que desenvolveu uma série de brinquedos pedagógicos integrados, aproveitando as "desvantagens" como vantagens.
Nas escarpas próximas ao muro da escola, uma área até então desprezada por ser em declive, encontrou-se o local ideal para o "ludo-cross", como foi batizado. O "jogo" é um circuito a ser percorrido com diferentes níveis de desafios e dificuldades. "As novas gerações estão crescendo apertando botões. A interação com os brinquedos estimula sensações e movimentos diferentes do corpo que elas não estão acostumadas a fazer", explica Gorski.
A aridez do cimento foi quebrada com o plantio de árvores e com a aplicação de novos materiais para o piso, como mosaicos. Um riacho percorre o espaço próximo ao tanque de areia e é abastecido pelas crianças com o uso de alavancas que bombeiam água para o seu leito. Segundo a coordenadora pedagógica Célia Tilkian, o enriquecimento do ambiente contribuiu para a socialização das crianças, a melhora da postura corporal e a motricidade dos alunos.

Pátio além dos muros
Mas há casos em que o pátio beneficia toda a comunidade escolar. Em Natal (RN), o exemplo vem do Centro de Educação Integrada, que construiu uma praça de 4.000 m2 no terreno baldio em frente à escola, mesmo já contando internamente com uma área que inclui minizoológico com patos, galinhas e jabutis -e pomar.
A praça serve tanto aos alunos mais velhos durante as aulas como aos moradores da região nos finais de semana. "Todos cuidam com carinho do espaço. Ele ampliou as nossas possibilidades", conta a coordenadora pedagógica Andrea Carla Pereira Campos. Pesquisa com plantas no jardim, trabalho em grupo sob as árvores e aulas de educação física nas quadras esportivas são algumas das atividades organizadas pela escola e realizadas do lado de fora de seus portões.
Em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), a transformação do pátio também foi além dos muros e envolveu toda a comunidade escolar. Seguindo a filosofia da ONG inglesa Learning through Landscape (Aprendendo por meio das Paisagens) -leia texto ao lado-, o Colégio Estadual Alcebíades de Azeredo, com 1.700 alunos, reuniu pais, alunos e professores para revitalizar parte da sua área externa.
Sob a consultoria técnica de Beatriz Fedrizzi, todos deram palpites no projeto, ajudaram a executá-lo e hoje cuidam da manutenção. Onde antes só havia chão batido, mato crescendo livremente e uma quadra de esportes deteriorada agora há árvores, horta, bancos, praça e um campo de futebol. Parcerias com o horto florestal, com uma usina de compostagem e com a prefeitura garantiram os principais insumos. O resto foi providenciado pela comunidade.
"Depois da reforma, notamos que as faltas diminuíram e o relacionamento entre os alunos está muito melhor", avalia a professora de ciência e coordenadora do projeto Magali Gotz. Suas aulas agora são dadas ao ar livre. Os alunos de 1ª a 4ª série aprendem sobre o reino vegetal cuidando da horta de 200 m2. Para surpresa dos pais, esse cultivo com as próprias mãos tem modificado os hábitos alimentares dos pequenos, que passaram a se interessar por verduras e legumes. Os mais velhos, alunos de 12 a 18 anos, criaram o Clube de Ciências e utilizam o pátio como laboratório. São eles que regam as plantas e fazem a manutenção do jardim.
Com o aumento de casos de obesidade infantil relacionados ao sedentarismo, à falta de áreas verdes ou livres nas grandes cidades e à violência urbana que impede as brincadeiras na rua, o pátio se tornou um escape. Quando você for escolher a escola dos filhos, os especialistas aconselham: ultrapasse a sala da secretaria e veja o que há no lado de fora.


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