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Uma nova paisagem para a educação
Pedro Azevedo/Folha Imagem
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Crianças brincam no "ludo-cross" do Colégio Pentágono, em São Paulo (SP) |
Escolas investem na construção de pátios com áreas verdes, variedade de materiais
e brinquedos integrados e levam as aulas para além das paredes das classes
RODRIGO GERHARDT
FREE-LANCE PARA A FOLHA
As brincadeiras das crianças na hora do intervalo, a agitação em
sala de aula e o interesse em aprender são influenciados pelo tipo de área livre que fica à disposição delas nas escolas. Especialistas
impulsionados pelos estudos da psicologia ambiental, que relaciona
a importância do meio para o desenvolvimento humano, têm defendido o valor do pátio planejado para a formação dos alunos. Um dos
componentes mais importantes desse ambiente é a presença da natureza. A convivência em áreas verdes aumenta a concentração do
aluno e contribui diretamente para o seu amadurecimento emocional e para as suas relações sociais. Em razão
disso, algumas escolas estão adotando cenários até então comuns aos parques. Bosques, jardins, fontes d'água e animais já
têm fins pedagógicos.
Na escola infantil Ciranda da Educação,
em Cotia, na região metropolitana de São
Paulo, isso é levado ao pé da letra. Lá não há
salas de aula nem classes definidas. As 20
crianças, de dois a seis anos de idade, convivem durante as tardes em um espaço de
32 mil m2, com direito a lago, cavalo e até
galinheiro -o local preferido das menores.
O aprendizado acontece na interação com
o ambiente e durante as brincadeiras. A colheita de frutas no pomar pode ser uma aula de matemática, a floração do jardim ensina sobre o ciclo da vida, o bambuzal se
transforma em palco para a encenação de
várias aventuras.
Seguindo a "pedagogia da sensibilidade"
adotada pela escola, a alfabetização não é
deixada de lado, mas fica em segundo plano. O foco é proporcionar "experimentações sensoriais" aos alunos nessa primeira
fase da vida. Segundo a coordenadora pedagógica e proprietária do "sítio-escola",
Gisela Aragoni Schiavo, a vivência dessa liberdade em meio à natureza permite detectar comportamentos que estariam inibidos
em salas de aula tradicionais. "Percebemos
em algumas crianças, por exemplo, manifestações de uma sexualidade precoce."
Em sua investigação sobre a relação ambiente-escola na educação infantil, a pesquisadora Gleice Elali, do Núcleo de Interações Pessoa-Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aponta uma
necessidade maior e declarada pelo contato
com ambientes naturais entre as crianças
mais novas. Com o avanço da idade, essa
necessidade volta-se para a aceitação social,
o que leva os jovens a se interessarem gradativamente pelas atividades em grupo em
áreas relativamente fechadas e pelo uso de
novas tecnologias como fonte de experiências lúdicas.
Para Elali, como recebemos mais informação do meio do que pela forma oral, é no
contato com a natureza que a criança aprende
seus próprios limites, desafia obstáculos e supera seus medos. Ao estender a mão para pegar uma fruta no pé, ela entende o que é distância melhor do que assistindo a um vídeo
educativo. "Questiono o que o ambiente físico
das escolas está ensinado aos nossos alunos.
Entrevistei crianças que entendiam o ovo como uma coisa totalmente dissociada da galinha", diz a pesquisadora.
Metro quadrado por aluno
Além do
contato com o verde, o tamanho da área de
que a criança dispõe para brincar também
exerce influência sobre ela. Em sua tese de
doutorado, o psicólogo Fábio Sager, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constatou que, paradoxalmente, nos pátios pequenos, em que as crianças estão mais próximas,
elas tendem a se relacionar menos umas com
as outras, buscam brincadeiras individuais e
os conflitos com os colegas são mais freqüentes. Em comparação, nos pátios grandes, a formação espontânea de grupos é maior, motivada pela possibilidade de se escolher com quem
brincar. As áreas vazias, em contrapartida, estimulam o corre-corre.
Mas o que é um pátio grande ou pequeno? O
MEC (Ministério da Educação) não estabelece
critérios e sua única recomendação é que a
área livre deva ocupar 50% do terreno escolar.
"Nesse sentido, as escolas públicas são melhores do que as particulares. Muitas instituições
privadas foram instaladas em prédios já construídos, onde não houve planejamento de área
livre", avalia Sager.
No Brasil, alguns estudiosos de psicologia
ambiental sugerem como parâmetros aqueles
estabelecidos em pesquisas no Canadá: 7 m2
de área por aluno como o mínimo; 10 m2 como
o recomendado; 20 m2 como o generoso. Na
prática, há escolas que não chegam a 3 m2 por
aluno e as conseqüências para a criança são
frustração e disputa por espaço, com vitória
geralmente dos maiores sobre os menores.
"Com as novas tecnologias, a tendência das
escolas é privilegiar os espaços internos. Elas
se preocupam mais em informatizar as salas
de aula do que em valorizar o pátio. É uma pena que não haja uma política pública para isso", afirma Sheila Ornstein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP,
que no ano passado coordenou um trabalho
de avaliação da pós-ocupação do espaço físico
em pré-escolas de São Paulo.
Como a maioria das instituições de ensino
não dispõe de grandes áreas, principalmente
as que estão nos centros urbanos, a solução está no gerenciamento do espaço, como dividir
as turmas para utilizá-lo em horários diferentes. Para a doutora em paisagismo Beatriz Fedrizzi, autora do manual "Paisagismo no Pátio
Escolar" (Editora da Universidade/ UFRGS),
não basta julgar apenas a metragem do terreno, a qualidade também é importante. "Uma
área grande sem nada para ser feito torna-se
pequena. Fica subutilizada", explica Fedrizzi,
que aponta os pátios inteiramente cimentados
e sem planejamento como os piores.
A solução para essas áreas livres está na diversidade -tanto de materiais utilizados na
construção como nas situações que podem fazer surgir às crianças. Uma elevação do terreno pode ser um grande obstáculo a ser conquistado, da mesma forma como os "cantinhos de privacidade" devem ser previstos
-locais onde a criança possa ficar sozinha
longe da vista dos adultos e aproveitar para estar consigo mesma.
O desafio é quando a área é muito pequena
ou não suporta grandes intervenções. Para incrementar o uso do seu pátio, de 800 m2, todo
cimentado e com poucos recursos, o colégio
Pentágono, na zona sul de São Paulo, apelou
para a arquiteta e paisagista Maria Cecília
Gorski, que desenvolveu uma série de brinquedos pedagógicos integrados, aproveitando
as "desvantagens" como vantagens.
Nas escarpas próximas ao muro da escola,
uma área até então desprezada por ser em declive,
encontrou-se o local ideal para o "ludo-cross", como
foi batizado. O "jogo" é um circuito a ser percorrido
com diferentes níveis de desafios e dificuldades. "As
novas gerações estão crescendo apertando botões. A
interação com os brinquedos estimula sensações e
movimentos diferentes do corpo que elas não estão
acostumadas a fazer", explica Gorski.
A aridez do cimento foi quebrada com o plantio de
árvores e com a aplicação de novos materiais para o
piso, como mosaicos. Um riacho percorre o espaço
próximo ao tanque de areia e é abastecido pelas
crianças com o uso de alavancas que bombeiam
água para o seu leito. Segundo a coordenadora pedagógica Célia Tilkian, o enriquecimento do ambiente
contribuiu para a socialização das crianças, a melhora da postura corporal e a motricidade dos alunos.
Pátio além dos muros
Mas há casos em que o
pátio beneficia toda a comunidade escolar. Em Natal
(RN), o exemplo vem do Centro de Educação Integrada, que construiu uma praça de 4.000 m2 no terreno baldio em frente à escola, mesmo já contando internamente com uma área que inclui minizoológico
com patos, galinhas e jabutis -e pomar.
A praça serve tanto aos alunos mais velhos durante
as aulas como aos moradores da região nos finais de
semana. "Todos cuidam com carinho do espaço. Ele
ampliou as nossas possibilidades", conta a coordenadora pedagógica Andrea Carla Pereira Campos.
Pesquisa com plantas no jardim, trabalho em grupo
sob as árvores e aulas de educação física nas quadras
esportivas são algumas das atividades organizadas
pela escola e realizadas do lado de fora de seus portões.
Em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), a transformação do pátio também foi além
dos muros e envolveu toda a comunidade escolar.
Seguindo a filosofia da ONG inglesa Learning
through Landscape (Aprendendo por meio das Paisagens) -leia texto ao lado-, o Colégio Estadual
Alcebíades de Azeredo, com 1.700 alunos, reuniu
pais, alunos e professores para revitalizar parte da
sua área externa.
Sob a consultoria técnica de Beatriz Fedrizzi, todos
deram palpites no projeto, ajudaram a executá-lo e
hoje cuidam da manutenção. Onde antes só havia
chão batido, mato crescendo livremente e uma quadra de esportes deteriorada agora há árvores, horta,
bancos, praça e um campo de futebol. Parcerias com
o horto florestal, com uma usina de compostagem e
com a prefeitura garantiram os principais insumos.
O resto foi providenciado pela comunidade.
"Depois da reforma, notamos que as faltas diminuíram e o relacionamento entre os alunos está muito melhor", avalia a professora de ciência e coordenadora do projeto Magali Gotz. Suas aulas agora são
dadas ao ar livre. Os alunos de 1ª a 4ª série aprendem
sobre o reino vegetal cuidando da horta de 200 m2.
Para surpresa dos pais, esse cultivo com as próprias
mãos tem modificado os hábitos alimentares dos pequenos, que passaram a se interessar por verduras e
legumes. Os mais velhos, alunos de 12 a 18 anos, criaram o Clube de Ciências e utilizam o pátio como laboratório. São eles que regam as plantas e fazem a
manutenção do jardim.
Com o aumento de casos de obesidade infantil relacionados ao sedentarismo, à falta de áreas verdes
ou livres nas grandes cidades e à violência urbana
que impede as brincadeiras na rua, o pátio se tornou
um escape. Quando você for escolher a escola dos filhos, os especialistas aconselham: ultrapasse a sala
da secretaria e veja o que há no lado de fora.
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