São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007
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ambiente

Essa conta fecha?

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Q uanto gás carbônico você emite por dia?
Não faltam sites e empresas dispostos a fazer essa conta e a dizer quantas árvores precisariam ser plantadas para compensar o dano decorrente dessa emissão. Diante de proposta tão nobre, também não faltam empresas, organizadores de eventos e cidadãos comuns dispostos a entrar na onda do "carbon free". Mas isso funciona?
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, não. Embora a preocupação crescente da sociedade com questões ambientais seja louvável e o plantio de árvores seja uma bela iniciativa, eles afirmam que esses cálculos têm sido feitos de forma simplista e alertam para o risco de oportunistas na área.
"Hoje há uma febre em torno disso que não faz sentido. O efeito dessa moda "carbon free" é muito pouco e, se o plantio de árvores não for bem-feito, não ajuda em nada. Serve mais para dar visibilidade a empresas", afirma Carlos Cerri, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da USP (Universidade de São Paulo), e membro do IPCC (comitê de cientistas criado pela ONU para avaliar as causas e os efeitos do aquecimento global).
A lógica dessa nova moda é simples: quando você anda de carro, por exemplo, queima combustível e libera gás carbônico (CO2) na atmosfera, o que contribui para o aquecimento da Terra. Já as árvores "seqüestram" o CO2 do ar para crescer -o gás é absorvido e, por meio da fotossíntese, ajuda a formar os tecidos vegetais (o carbono corresponde, em média, a 45% do peso seco de uma árvore).
O problema é calcular isso tudo para dizer que alguém emite uma quantidade específica de gás carbônico por ano e, por isso, precisa plantar dez, cem ou mil árvores. As metodologias adotadas para fazer essa conta variam muito, e cada uma delas rende uma resposta diferente.
"Algumas companhias [contratadas para fazer esses cálculos] podem oferecer taxas de absorção de gás carbônico mais altas que outras", afirma o ambientalista norte-americano Douglas Trent.
Além disso, ressalta ele, não dá para generalizar a quantidade de carbono consumida pelas árvores -cada uma consome níveis diferentes conforme a espécie e as características do local onde foi plantada, como altitude, temperatura etc.

Avaliação completa
Cerri, do IPCC, conhece de perto a complexidade desses cálculos. Ele participa, na USP, de um projeto de "full account", método científico que leva em consideração todas as variantes envolvidas na emissão de gás carbônico por alguma atividade -no caso dele, o alvo é uma plantação de cana-de-açúcar.
Para a avaliação ser completa, entram na conta a emissão de CO2 gerada em cada etapa do processo: desde a fabricação dos fertilizantes até a degradação do húmus na terra e a queima do combustível do trator.
Quando todos esses dados entrarem em cena, será possível rever conceitos, como o que prega que o álcool é melhor ambientalmente que a gasolina. "Dizem que mil litros de álcool liberam tanto CO2 quanto 800 litros de gasolina e, por isso, é melhor. Mas esse cálculo não é tão direto. Quanto CO2 foi gerado na produção do álcool, desde o plantio da cana?"
O método é tão recente e complicado que, atualmente, só é aplicado em pesquisas científicas, segundo Cerri.

Lúdico
Fora da esfera acadêmica, o mais comum são propostas educativas. "Ir na tabelinha e calcular é bacana, desperta as pessoas para o problema, desde que isso seja entendido como um ato simbólico e um passo para a educação delas", afirma Miriam Duailibi, coordenadora do Instituto Ecoar, voltado para educação ambiental.
Pedro Roberto Jacobi, professor de pós-graduação em ciência ambiental da USP, elogia a reflexão que ferramentas como a calculadora ambiental promovem. "Trata-se de uma combinação do lúdico com o educativo", diz.
Justamente por isso, ele afirma que ninguém deve se sentir "quite" com a natureza só porque preencheu um cheque para bancar o plantio de árvores. "Argumentar que pagou e pronto é de uma irresponsabilidade total. A medição individual é muito subjetiva, não existe um cálculo real para ela. Não dá para eu medir meu gasto de energia e plantar "x" árvores para compensar. Eu tenho é que gastar menos energia. Mudar meus hábitos."
Para Duailibi, o risco é que "as pessoas achem que podem plantar árvores e dizer: "Eu fiz a minha parte". Não é nada disso". Por isso, o foco devem ser ações que diminuem o impacto ambiental na base, como uma queda na geração de lixo.
Trent ressalta que quem também quiser plantar árvores, deve observar mais um aspecto: "Plantar mudas é uma coisa. Assegurar que elas crescerão é outra". "Tenho visto muitos exemplos de companhias de "reflorestamento" que plantam as mudas e as abandonam, com baixo índice de sobrevivência. Por isso, é mais importante saber quantas cresceram do que quantas foram plantadas."

Certificadoras
Paulo Braga, diretor científico da MaxAmbiental, que trabalha com projetos de neutralização de carbono, ressalta que existem certificadoras nessa área que validam os cálculos, como a SGS, a DNV, a Bureau Veritas e a Tüvv. "Essa área já está cheia de oportunistas. Mas há empresas internacionais independentes que checam os dados e dão credibilidade."
Ele também diz que há modelos que permitem às empresas trabalhar com a emissão de carbono do início ao fim de uma atividade. "Neutralizar tudo é impossível, por isso, temos que definir as barreiras que irão limitar a ação. Dentro disso, levamos tudo em conta."


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