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ambiente
Essa conta fecha?
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Q
uanto gás carbônico
você emite por dia?
Não faltam sites e
empresas dispostos a
fazer essa conta e a dizer quantas árvores precisariam ser
plantadas para compensar o
dano decorrente dessa emissão. Diante de proposta tão nobre, também não faltam empresas, organizadores de eventos e cidadãos comuns dispostos a entrar na onda do "carbon
free". Mas isso funciona?
De acordo com especialistas
ouvidos pela Folha, não. Embora a preocupação crescente
da sociedade com questões ambientais seja louvável e o plantio de árvores seja uma bela iniciativa, eles afirmam que esses
cálculos têm sido feitos de forma simplista e alertam para o
risco de oportunistas na área.
"Hoje há uma febre em torno
disso que não faz sentido. O
efeito dessa moda "carbon free"
é muito pouco e, se o plantio de
árvores não for bem-feito, não
ajuda em nada. Serve mais para
dar visibilidade a empresas",
afirma Carlos Cerri, professor
do Centro de Energia Nuclear
na Agricultura, da USP (Universidade de São Paulo), e
membro do IPCC (comitê de
cientistas criado pela ONU para avaliar as causas e os efeitos
do aquecimento global).
A lógica dessa nova moda é
simples: quando você anda de
carro, por exemplo, queima
combustível e libera gás carbônico (CO2) na atmosfera, o que
contribui para o aquecimento
da Terra. Já as árvores "seqüestram" o CO2 do ar para crescer
-o gás é absorvido e, por meio
da fotossíntese, ajuda a formar
os tecidos vegetais (o carbono
corresponde, em média, a 45%
do peso seco de uma árvore).
O problema é calcular isso
tudo para dizer que alguém
emite uma quantidade específica de gás carbônico por ano e,
por isso, precisa plantar dez,
cem ou mil árvores. As metodologias adotadas para fazer
essa conta variam muito, e cada
uma delas rende uma resposta
diferente.
"Algumas companhias [contratadas para fazer esses cálculos] podem oferecer taxas de
absorção de gás carbônico mais
altas que outras", afirma o ambientalista norte-americano
Douglas Trent.
Além disso, ressalta ele, não dá para generalizar a quantidade de carbono consumida pelas
árvores -cada uma consome
níveis diferentes conforme a
espécie e as características do
local onde foi plantada, como
altitude, temperatura etc.
Avaliação completa
Cerri, do IPCC, conhece de
perto a complexidade desses
cálculos. Ele participa, na USP,
de um projeto de "full account",
método científico que leva em
consideração todas as variantes
envolvidas na emissão de gás
carbônico por alguma atividade
-no caso dele, o alvo é uma
plantação de cana-de-açúcar.
Para a avaliação ser completa, entram na conta a emissão
de CO2 gerada em cada etapa do
processo: desde a fabricação
dos fertilizantes até a degradação do húmus na terra e a queima do combustível do trator.
Quando todos esses dados
entrarem em cena, será possível rever conceitos, como o que
prega que o álcool é melhor
ambientalmente que a gasolina. "Dizem que mil litros de álcool liberam tanto CO2 quanto
800 litros de gasolina e, por isso, é melhor. Mas esse cálculo
não é tão direto. Quanto CO2
foi gerado na produção do álcool, desde o plantio da cana?"
O método é tão recente e
complicado que, atualmente,
só é aplicado em pesquisas
científicas, segundo Cerri.
Lúdico
Fora da esfera acadêmica, o
mais comum são propostas
educativas. "Ir na tabelinha e
calcular é bacana, desperta as
pessoas para o problema, desde
que isso seja entendido como
um ato simbólico e um passo
para a educação delas", afirma
Miriam Duailibi, coordenadora
do Instituto Ecoar, voltado para educação ambiental.
Pedro Roberto Jacobi, professor de pós-graduação em
ciência ambiental da USP, elogia a reflexão que ferramentas
como a calculadora ambiental
promovem. "Trata-se de uma
combinação do lúdico com o
educativo", diz.
Justamente por isso, ele afirma que ninguém deve se sentir
"quite" com a natureza só porque preencheu um cheque para
bancar o plantio de árvores.
"Argumentar que pagou e
pronto é de uma irresponsabilidade total. A medição individual é muito subjetiva, não
existe um cálculo real para ela.
Não dá para eu medir meu gasto de energia e plantar "x" árvores para compensar. Eu tenho é
que gastar menos energia. Mudar meus hábitos."
Para Duailibi, o risco é que
"as pessoas achem que podem
plantar árvores e dizer: "Eu fiz a
minha parte". Não é nada disso". Por isso, o foco devem ser
ações que diminuem o impacto
ambiental na base, como uma
queda na geração de lixo.
Trent ressalta que quem
também quiser plantar árvores,
deve observar mais um aspecto: "Plantar mudas é uma coisa.
Assegurar que elas crescerão é
outra". "Tenho visto muitos
exemplos de companhias de
"reflorestamento" que plantam
as mudas e as abandonam, com
baixo índice de sobrevivência.
Por isso, é mais importante saber quantas cresceram do que
quantas foram plantadas."
Certificadoras
Paulo Braga, diretor científico da MaxAmbiental, que trabalha com projetos de neutralização de carbono, ressalta que
existem certificadoras nessa
área que validam os cálculos,
como a SGS, a DNV, a Bureau
Veritas e a Tüvv. "Essa área já
está cheia de oportunistas. Mas
há empresas internacionais independentes que checam os
dados e dão credibilidade."
Ele também diz que há modelos que permitem às empresas trabalhar com a emissão de
carbono do início ao fim de
uma atividade. "Neutralizar tudo é impossível, por isso, temos
que definir as barreiras que
irão limitar a ação. Dentro disso, levamos tudo em conta."
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