São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007
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Neurociência - Suzana Herculano-Houzel

O problema em dizer "não"

A intenção é a melhor possível: evitar que sejam atropelados, destruam a casa, peguem o que não é deles, caiam do muro ou matem o gato. Você diz: "Não bote a mão aí". Mas seu filho bota assim mesmo. Por que tantas vezes é tão difícil fazer uma criança obedecer a um não?
Asterix responde. No livro em quadrinhos "Asterix Gladiador", o personagem gaulês, revoltado com a brutalidade do treino dos gladiadores, propõe a eles um novo jogo: fazer perguntas uns aos outros e respondê-las sem usar as palavras "sim", "não", "branco" e "preto". O resultado, claro, é hilário: homens enormes e armados sentados placidamente em roda lutando, como crianças, com a dificuldade de impedir seu cérebro de usar essas palavras tão comuns.
O cérebro dos seus filhos enfrenta o mesmo problema toda vez que ouve um "não" -com o agravante de ainda não ser tão capaz quanto o cérebro de um adulto de controlar seus impulsos. Grande ou pequeno, toda vez que ouve uma palavra ou frase, ordem ou não, o cérebro se prepara para lidar com o assunto, ativa os circuitos que representam essas idéias e monta um programa motor que as une. Se há um "não" na frente, o córtex pré-frontal entende que precisa controlar os impulsos do cérebro e impedir que o programa montado seja executado -ou ao menos isso é o que você espera dele.
Assim, quando uma criança ouve uma frase como "não ponha a mão na tomada", as representações cerebrais das idéias "pôr", "mão" e "tomada" são imediatamente ativadas e reunidas em um programa motor que fica a postos. Mas controlar impulsos ainda não é o forte do córtex pré-frontal infantil, que deixa muitos programas motores passarem e serem executados indevidamente. Para piorar, há, é claro, as crianças rebeldes, cujo pré-frontal ignora "nãos", e outras que já ouviram tantos "nãos" desnecessários na vida que aprenderam que boa parte deles pode ser ignorada em segurança.
Além disso, o córtex pré-frontal imaturo da criança ainda precisa lutar contra os ímpetos do sistema de recompensa, que quer experimentar tudo agora. Por isso, dizer "não pule" a uma criança em cima de um muro alto é um convite ao seu cérebro para primeiro ativar a idéia de pular para só então, com sorte, reprimir esse impulso. Ou seja, é uma receita para o desastre.
Como evitá-lo? Ah, a dica da neurociência para uma alternativa eficaz ao "não" você encontra neste mesmo espaço, daqui a duas semanas. Seu córtex pré-frontal vai agüentar esperar, não vai?


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)

suzanahh@folhasp.com.br


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