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Saber ou não saber
Filhos de portadores de doença incurável e fatal e especialistas discutem a relevância de fazer teste preditivo para diagnóstico
ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A socióloga e bancária aposentada Vita Aguiar de Oliveira, 51 anos, tem 50% de probabilidade de ter uma doença fatal e sem cura. Com os recursos da medicina hoje, é possível prever se ela vai desenvolver o mal e, ainda, identificar aproximadamente quando isso
vai ocorrer. Mesmo assim, ela optou por não saber se herdou do pai a doença de Huntington, síndrome caracterizada pela perda progressiva da capacidade cognitiva (memória e
pensamento), dos movimentos e do equilíbrio emocional. De suas quatro irmãs, três já manifestaram a doença; duas morreram.
"É preferível viver com 50% de esperança do
que ter a certeza de ser portador", resume a
artesã Maria Gorette Nunes Marques, 48, cujos avó, pai, irmãos e primos são portadores
dessa rara síndrome, que afeta 5 pessoas a cada 100 mil, segundo o neurologista Francisco
Cardoso, chefe do Serviço de Neurologia da
Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Atualmente, cerca de 30 mil pessoas
têm DH nos Estados Unidos e outras 150 mil
são portadoras em potencial. No Brasil, ainda
não existem dados sobre sua freqüência.
Inicialmente descrita como coréia hereditária -coréia, do grego choreía, significa dança- pelo médico norte-americano George
Huntington, em 1872, a peculiaridade da
doença são os movimentos musculares anormais e espontâneos, rápidos e transitórios,
feitos pelo paciente, sugerindo uma dança.
A gravidade da doença, transmitida geneticamente, consiste em "não existir nenhum
tratamento capaz de impedir o desenvolvimento ou a progressão da DH", segundo Cardoso. "É ruim saber que a família tem uma
doença sem cura e ainda no auge da vida útil",
diz Vita, que também é vice-presidente da Associação Brasil Huntington, grupo de ajuda
aos familiares e portadores da DH (www.abh.org.br).
Mas a doença de Huntington, em si, não
causa a morte do paciente. Em geral, os portadores de DH morrem de complicações dos
sintomas como infecção pulmonar, por num
estágio avançado ficarem acamados, ou freqüentemente, engasgados, "pois movimentos
simples, como engolir ou tossir, ficam progressivamente comprometidos", afirma a
médica geneticista Iscia Lopes Cendes, do Departamento de Genética Médica da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas).
A genética humana
Em 1993, o primeiro
mapeamento de um gene humano relacionado a uma doença foi justamente relativa à de
Huntington: a alteração está no cromossomo
4. "A anomalia ocorre quando a repetição
da sequência de substâncias que forma a proteína huntingtina se expande", explica a neurologista Mônica Santoro Haddad, também
professora da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (SP).
Apesar de os esforços em pesquisas sobre a
DH, ainda não se conhece a função dessa proteína. "O que se sabe é que ela é essencial ao
organismo. Em testes, os ratos que tiveram essa proteína eliminada não sobreviveram",
afirma Haddad.
Então, se o pai ou a mãe são portadores dessa anomalia, a probabilidade de o filho herdá-la é de 50%. "É como jogar uma moeda para
cima: ou é cara ou é coroa", analisa Cendes, da
Unicamp. Como a síndrome não pula gerações, aquele que não desenvolve a doença
também não correrá o risco de passá-la às gerações seguintes.
E é exatamente esse ponto o núcleo de debates que envolve a família do portador da doença de Huntington: fazer ou não o teste. A diretriz médica acerca do diagnóstico prega que o
teste só pode ser feito em pessoas maiores de
21 anos, cuja procura tenha sido espontânea
-após passar por uma equipe multiprofissional, entre os quais médicos e psicólogos, de
acordo com Haddad. Existe também o diagnóstico feito em indivíduos com suspeita da
doença -tanto pelo histórico familiar como
pelos sintomas. Nesse caso, o teste só vai confirmar que a pessoa herdou a doença.
Apesar de a decisão de fazer ou não o teste
caiba exclusivamente ao indivíduo em risco,
Cendes explica que os próprios especialistas
desaconselham a pessoa a fazê-lo, pois não
existe nenhuma vantagem terapêutica, uma
vez que não há como prevenir nem a chegada
nem a progressão da síndrome.
"Essa é a pior parte da doença. É angustiante. Qualquer coisa que faço, como chacoalhar
a perna, quebrar um copo ou ficar irritada,
coisas que são absolutamente normais para
qualquer pessoa, já acho que são os primeiros
sintomas", revela Maria Gorette, dizendo estar mais aliviada agora, aos 48 anos, pois o padrão do aparecimento dos primeiros sinais visíveis se dá entre os 30 e 40 anos.
Um dos sintomas freqüentes entre os portadores da doença são a depressão e irritação
-por causa da alteração cognitiva. São comuns tentativas de suicídio: a taxa em uma família com portadores da síndrome é oito vezes maior do que na população em geral.
"Tenho uma irmã que se matou aos 30 anos.
Não sabíamos se ela tinha conhecimento de
ter herdado a doença de nossa mãe ou não",
conta o oftalmologista Paulo Bianchi Giannella, 46, que foi desaconselhado pelo médico a
realizar o teste. "Mas não mudou nada em minha vida. A única coisa é que não vou ter filhos. Vou adotar uma criança. Assim, se eu tiver a doença, não vou passá-la adiante", diz.
Informações: ABH - Associação Brasil Huntington
(www.abh.org.br) e UPADH - União dos Parentes e
Amigos dos Doentes de Huntington (www.upadh.org.br)
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