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entrevista
Paraíso agora
Em "O que nos Faz Felizes", professor de psicologia
em Harvard aborda como e por que o cérebro engana quando o ser humano imagina o futuro
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O coração leva a fama
de traiçoeiro, mas é o
cérebro, com a sagacidade que lhe é peculiar, quem engana o mais racional dos humanos. É por isso
que -não importa se você tem
certeza de que vai adorar cada
momento das férias ou prevê
que irá se entediar vendo TV
hoje à noite- apenas uma coisa
é certa: há grandes chances de a
previsão estar errada.
O veredicto é resultado de
uma década e meia de pesquisas conduzidas pelo professor
de psicologia em Harvard Daniel Gilbert e que estão condensadas em "O que nos Faz Felizes - O Futuro Nem Sempre É o
que Imaginamos", livro recentemente lançado no Brasil.
Surpreso por não haver desmoronado quando, há 15 anos,
sua vida afetiva e profissional
entrou em colapso ao mesmo
tempo, Gilbert, 49, decidiu investigar por que havia se equivocado sobre as próprias reações. Testes, pesquisas e leituras de diversos trabalhos de
neurociência, psicologia e ciência cognitiva depois, concluiu
que imaginar o futuro - habilidade exclusiva dos humanos-
é um hábito ininterrupto, muitas vezes imperceptível e definitivamente insidioso.
Além disso, no fundo de cada
previsão está a busca por uma
vida mais feliz. Eis por que, defende Gilbert, as pessoas estão
dispostas, por exemplo, a pagar
anos de previdência com abnegação ou a mergulhar estoicamente em um sem-fim de dietas, guiadas pelo projeto de serem aposentados despreocupados e magros satisfeitos.
Em resumo, o futuro não será nem o paraíso nem o inferno
que se imagina. Até porque, diz
o professor, quando chegarmos
lá, seremos todos outras pessoas. Leia a seguir trechos da
entrevista concedida à Folha.
FOLHA - Saber como funcionam os
mecanismos mentais de planejamento do futuro ajuda a diminuir
frustrações?
DANIEL GILBERT - As pessoas têm
escrito livros que prometem
ajudar as outras a ser mais felizes há uns 200 anos, e o resultado tem sido um monte de gente
infeliz e um monte de árvores
derrubadas. "O que nos Faz Felizes" não é um livro de auto-ajuda que vai te transformar
em um dalai-lama com melhor
corte de cabelo. Descreve o que
a ciência moderna tem a nos dizer sobre como e com que capacidade o cérebro humano pode
imaginar seu próprio futuro e
prever de qual futuro gostará
mais. As pessoas dão como normal a capacidade de imaginar o
futuro, mas essa é uma das habilidades mais recentes adquiridas pela nossa espécie, há não
mais do que 3 milhões de anos.
Não é de surpreender que cometamos erros tão grosseiros.
FOLHA - O sr. afirma que os graus
de felicidade almejados dependem
da "régua" que cada um tem para
medir suas experiências de vida. Podemos pensar que um povo tende a
se considerar mais feliz quando tem
menos "ferramentas de comparação" com outros lugares?
GILBERT - Todo mundo naturalmente se compara aos outros e
é difícil imaginar uma circunstância sob a qual isso não aconteceria. A pesquisa mostra que
a riqueza de uma pessoa é um
indicador insuficiente de sua
felicidade, mas a riqueza dessa
pessoa em relação à de sua vizinhança é um índice muito bom.
Em outras palavras, não importa o quanto você ganha: importa somente quanto mais você
ganha do que os outros.
FOLHA - Os brasileiros costumam
ser vistos como um povo alegre, por
exemplo. Esses mecanismos mentais são válidos na construção de
imagens coletivas?
GILBERT - Há diferenças na felicidade das pessoas em diferentes países, mas elas tendem a
não ser tão grandes como se
imagina. Alguns estudos mediram o grau de felicidade de estudantes latino-americanos e
anglo-saxões por uma semana,
e depois foi pedido a eles que
detalhassem seus estados de
espírito naquele período. Descobriu-se que as diferenças de
fato foram poucas, mas que os
estudantes registravam maior
disparidade quanto à lembrança dessa experiência. Os entrevistados latinos se lembraram
de haver estado mais felizes.
Então a noção de que "os brasileiros são alegres" influencia
fortemente a forma como brasileiros felizes dizem que são e
influencia muito pouco o quanto eles são felizes de fato.
FOLHA - O sr. é feliz?
GILBERT - Em geral, as pessoas
são um desastre em lembrar o
quão felizes eram, em prever o
quão felizes serão ou em julgar
o quão felizes são. Podem, entretanto, dizer o quão felizes
são no exato momento em que
você lhes pergunta. Então, neste momento, sou, de 0 a 10, um
homem feliz com 6,5 na minha
escala. Por quê? Essa é outra
pergunta que dá trabalho para
responder. Creio que minha
linda mulher e minha linda neta são duas das maiores fontes
de felicidade para mim, mas
não me surpreenderia se um
cientista chegasse agora e provasse que minha felicidade reside na verdade no fato de eu
estar calçando sapatos confortáveis. A ciência da felicidade
indica que intuições e dados se
chocam com freqüência. Quando isso acontece, eu acredito
nos dados.
O que nos Faz Felizes - O Futuro nem Sempre É o que Imaginamos
Autor: Daniel Gilbert. Ed. Campus/ Elsevier. Quanto: R$
44 (288 págs.).
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