São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
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infância

Direito ao chão

Especialistas criticam o uso excessivo de cadeirinhas e bebês-conforto e defendem que bebês sejam estimulados a engatinhar antes de aprenderem a andar

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Esperam-se com tanta ansiedade os primeiros passos do bebê que a fase anterior -o engatinhar- acaba em segundo plano. No máximo, é relegada à etapa que marca o fim do sossego para os pais, já que a criança não se contenta em ficar no carrinho, e a atenção (e a paciência) deve ser redobrada.
Ficar de quatro, porém, é importante para a criança desenvolver mecanismos de coordenação motora e se preparar para as fases seguintes. "Engatinhar é um dos muitos pontos importantes que marcam os estágios do desenvolvimento e treinam equilíbrio, coordenação motora e visão", disse à Folha Sally Goddard Blythe, diretora do Instituto para Psicologia Neurofisiológica, em Chester, na Inglaterra. Ela acredita que os bebês devem ser estimulados a engatinhar, já que esse hábito está se tornando menos freqüente, como tem observado no instituto que dirige. No livro "What Babies Really Need" (do que os bebês realmente precisam), que será lançado em abril na Inglaterra, ela defende que bebês devem brincar mais no chão, para estimular essa fase.
"As crianças têm passado muito tempo em equipamentos, como cadeirinhas e bebês-conforto, que são bons por um curto período, mas não estimulam o controle da cabeça e do tronco da mesma forma que se elas ficassem no chão", diz. Outra barreira é o receio dos pais de o filho se sujar ou se machucar, como afirma a pediatra Isabel Rey Madeira, presidente do departamento de pediatria ambulatorial da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). "Há crianças que pulam essa etapa simplesmente porque os pais não as colocam no chão."

Por etapas
Pietra Zamparini, de 11 meses, foi para o chão com seis meses e começou a engatinhar com oito. "Preparei um espaço para ela na sala de TV, com brinquedos educativos para estimulá-la a se movimentar. Acho que isso foi essencial para ela se desenvolver bem", conta a mãe, a analista financeira Keli Pimentel Barcelos Zamparini, 30.
Ela tem razão, como explica a fisioterapeuta Anna Paula Marques Costa, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo): "O desenvolvimento motor é relativo ao estímulo que o bebê recebe da família. Se tiver espaço, aprende a se movimentar com mais facilidade".
Ao usar braços e pernas para se locomover, o bebê fortalece a musculatura dos membros, aprende a sustentar o peso nas pernas e adquire estabilidade de tronco. Essa é uma boa forma de preparar o corpo.
"As ações que envolvem o engatinhar e suas variações, como arrastar o bumbum, ajudam a integrar o mecanismo de reflexos dos músculos, dos tendões e das juntas e a visão. São treinos primários para algumas das coordenações visuais e manuais", diz Blythe.
Por isso, nada de forçar o bebê a andar. "Alguns pais superestimulam a criança a andar logo, querem que fique em pé de qualquer jeito, mas ela ainda não tem estrutura formada para isso", explica Costa.
Mas, mesmo deixando que fiquem à vontade no chão, nem todos os bebês engatinham. E isso não deve alarmar os pais. Segundo o neuropediatra e chefe do departamento de neurologia infantil da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Luiz Celso Vilanova, cerca de 20% dos bebês pulam essa etapa naturalmente, sem danos ao desenvolvimento.
Ainda assim, o especialista diz que quanto mais contato com o solo, melhor será para o bebê. "A estimulação motora é um dos aspectos para um bom desenvolvimento. Ofereça também objetos de diversas texturas e sons diferentes", sugere.

Apoio
Evitar o andador é o conselho dos especialistas para os modelos tradicionais do aparelho, no qual a criança fica sentada. "É como oferecer muletas a um adulto", compara Maria Aurora Brandão, pediatra do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo. Para ela, o aparelho tira a possibilidade de a criança usar o próprio corpo para se movimentar e pode obrigá-la a pular etapas.
O problema é acelerar o ritmo do bebê e forçá-lo a ficar em uma posição não-natural para a fase em que vive. Além disso, pode causar acidentes e propiciar um ritmo anormal de marcha. "Se o bebê for colocado no equipamento muito precocemente, terá de andar nas pontas dos pés, o que pode rá encurtar os músculos posteriores da perna e dificultar o andar ", acrescenta Anna Paula Costa, do HC.
Existe, entretanto, um modelo de andador que, de acordo com Costa, pode ajudar na fase dos primeiros passos -somente quando a criança já demonstrar firmeza para dá-los. Ela apoia as mãos na frente do aparelho, como se faz com um carrinho de supermercado, e o usa como um suporte.

Agradecimento: Escola Infantil Clube do Mickey


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