São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
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Neurociência - Suzana Herculano-Houzel

O sono, o açúcar e o diabetes adulto

O diabetes é uma doença que, à primeira vista, parece um paradoxo: se a glicose é uma fonte de energia importante para o corpo, tê-la em níveis elevados no sangue que circula para alimentar as células da ponta dos pés à raiz dos cabelos deveria ser uma vantagem, certo?
Errado. O problema do diabetes não é a quantidade elevada de glicose no sangue, e sim o que faz com que ela fique elevada: uma dificuldade do corpo para retirar glicose do sangue e jogá-la para o interior das células, onde ela é utilizada como energia.
Captar glicose do sangue requer o hormônio insulina: se ele não é produzido em quantidade suficiente ou se as células não respondem a ele -porque se tornaram "tolerantes", por exemplo-, elas ficam sem glicose e sofrem de inanição, apesar de toda a glicose circulante. Os níveis sangüíneos elevados de glicose são apenas uma conseqüência; sua causa, o fato de a glicose não conseguir passar para onde deveria estar: dentro das células. Os problemas de saúde resultantes são decorrência da inanição celular.
O que tem o cérebro a ver com isso? Surpreendentemente, um estudo da Universidade de Chicago mostrou há pouco que o sono -ou, para ser mais exata, a fase sem sonhos do sono- é fundamental para regular o metabolismo de glicose pelo corpo. A equipe já havia mostrado que a forma adulta do diabetes, associada à tolerância à insulina, é mais comum entre pessoas que têm problemas de sono ou insônia, e que a privação de sono de modo geral leva à tolerância à insulina. A equipe agora mostra que passar três noites seguidas especificamente sem a fase de sono sem sonhos, ainda que com o mesmo tempo total de sono, é suficiente para que voluntários jovens, magros e saudáveis sofram uma redução de 25% da sua sensibilidade à insulina e, portanto, tenham reduzida a capacidade de utilizar a glicose do sangue -uma redução equivalente à causada pelo ganho de 8 a 13 quilos de peso e à encontrada em pacientes idosos ou obesos, com alto risco de desenvolver diabetes adulto.
O estudo levanta uma possibilidade intrigante: a incidência elevada de diabetes adulto em idosos e obesos pode estar relacionada a distúrbios do sono, comuns nessas pessoas, ou ao menos ser acentuada neles pela falta de sono. Vai levar algum tempo até que essa possibilidade seja examinada. Mas, enquanto isso, cuidar da distribuição de glicose para as células do seu corpo não é mais uma ótima razão para dormir bastante e sempre?

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, Neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (Editora Sextante) e do site O Cérebro Nosso de Cada Dia (www.cerebronosso.bio.br).


suzanahh@folhasp.com.br


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