São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002
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s.o.s. família rosely sayão

Pais e professores não educam com ameaça

Muitos pais estão assustados tantas são as ameaças que as crianças e os adolescentes têm a enfrentar. É a violência -anônima e dos colegas-, que deixa a criançada sempre alerta; é o trânsito maluco, com os condutores dos veículos agindo como se os carros fossem armas ou um bem do mais alto valor. É o medo de não se sair bem na escola, é o receio de não arrumar amigos, namoradas e namorados, de não ter o corpo perfeito etc. De um jeito ou de outro, eles vão enfrentando, mas pagam um preço caro. Hoje tem muita criança sofrendo de enxaqueca, com estresse, com distúrbios de alimentação e outras doenças que, antes, eram coisa de gente grande.
Mas, como se não bastassem tantas ameaças, eles ainda têm de conviver com outras, absolutamente evitáveis e inúteis: as que os pais -e professores também, infelizmente- fazem, na tentativa de controlar a criançada. "Se você não estudar, não vai ter futuro!"; "Se você não fizer a lição de casa, não vai brincar com os amigos"; "Se você não tiver boas notas, vou tirar você dessa escola"; "Se você não obedecer a mamãe, eu vou ficar triste", "Se não fizer o combinado, vai ficar sem jogar videogame", e assim por diante. Creio que esses exemplos devem ter atingido a maior parte dos pais e mães em cheio, não é? Tem sido muito difícil escapar dessas ameaças. Mas é possível e é preciso e vamos ver alguns dos motivos mais importantes para isso.
Em primeiro lugar, ameaça não funciona, pelo menos não para o que os pais pretendem. Até pode funcionar em um determinado momento e situação em que os pais se vêem apertados para convencer o filho a fazer ou não determinada coisa, mas esse é um efeito efêmero e nada educativo.
O que provoca a ameaça? Em geral, o medo. Mas jamais a responsabilidade. E nunca é demais lembrar que educar é preparar para a autonomia, portanto, para a responsabilidade.
Além do mais, o medo nunca foi empecilho para ninguém. Quem quer muito uma coisa faz enfrentando o medo e os riscos. Se um adulto, que é capaz de avaliar antes as consequências, age assim, imaginem então uma criança ou um adolescente, que só avaliam -quando o fazem- depois de agir?
Em segundo lugar, ameaças não dão alternativas de escolha para a criança ou para o adolescente: ou o filho atende, ou vai para o castigo. E castigo não é visto como consequência de um ato, e sim como punição pessoal. De novo, essa dinâmica não é educativa. Ensinar a fazer escolhas avaliando as consequências que podem surgir faz parte da responsabilidade da educação.
Por fim, o ponto em geral mais delicado: nem sempre os pais cumprem as ameaças que fazem. Às vezes porque a ameaça foi feita na impulsividade e depois, pensando melhor, os pais acham que a consequência prometida seria severa demais. Outras vezes -pode parecer incrível, mas não é- porque os pais simplesmente se esquecem do que falaram. E tem mais: os pais ameaçam achando simplesmente que é o que basta, que cumprir o prometido, na verdade, nem está em jogo.
Acontece que é assim que os pais perdem a autoridade moral perante os filhos em seu trabalho de orientação e também de contenção, que significa educar. E os filhos, por sua vez, perdem muito mais: a sensação de segurança que os pais deveriam lhes transmitir se dilui com essas atitudes que eles tomam. E o que resta de deseducativo para o filho é a idéia de que as consequências de seus atos nem sempre virão.
O problema é que a vida não é assim.Os pais -e professores- deveriam se observar um pouco mais para perceber o quanto usam dessa estratégia de ameaçar para tentar persuadir as crianças e os adolescentes a seguir por determinado caminho, porque isso acontece muito mais do que eles próprios imaginam. Só depois de aceitar que fazem isso é que poderão mudar. E, para a educação democrática e que busca a autonomia e liberdade possível, essa mudança é essencial.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e- mail: roselys@uol.com.br


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