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COMPORTAMENTO
De caso pensado
Segundo novo estudo, mulheres são mais vingativas do que os homens; reação é imatura e traz alívio apenas imediato, dizem especialistas
GABRIELA CUPANI
DA REPORTAGEM LOCAL
O que leva uma pessoa
a enviar uma dúzia
de flores murchas ou
uma caixa de escorpiões artificiais a um desafeto?
O mesmo motivo que desperta
a vontade de esmurrar alguém
numa briga. São apenas jeitos
diferentes de lidar com a raiva.
Enquanto os homens, num
acesso de fúria, partem mais facilmente para a reação física, a
maioria das mulheres tende a
expressar sua mágoa com o que
se chama de agressão de baixa
intensidade -que inclui atitudes de desprezo, fofocas e planos de vingança.
A questão é que essas diferenças não são apenas comportamentais. Elas refletem modos diversos de processar as
emoções no cérebro, sugere um
estudo recém-divulgado, feito
na Universidade Ibero-Americana, no México.
Os pesquisadores chegaram
a essa conclusão após avaliar 42
homens e o mesmo número de
mulheres, que foram expostos
a 120 imagens com quatro características principais: agradáveis, desagradáveis, estímulos capazes de levar à ação e
aqueles que deprimem ou levam à inatividade.
Enquanto isso, eram monitorados por meio de eletroencefalograma e pela medida de respostas da atividade neurovegetativa (como temperatura corporal, frequência cardíaca e
tensão muscular).
Quando a pessoa reagia com
alta atividade emocional a um
estímulo desagradável, era
classificada como agressor reativo. Se a resposta emocional
era mais fraca e o indivíduo planejava uma estratégia para liberar a raiva posteriormente,
era caracterizado como proativo. Os dados revelaram que
70% dos homens tendem à impulsividade, em comparação
com apenas 10% das mulheres.
"O comportamento reativo é
um ato não planejado, dirigido
pela raiva, que objetiva machucar a vítima", disse à Folha, por
e-mail, o autor do estudo, o psicólogo Oscar Galicia, do laboratório de neurociências do
Departamento de Psicologia da
Universidade Ibero-Americana. "Já a agressividade premeditada é um meio de chegar a
um objetivo diferente do de ferir fisicamente."
E, nesse quesito, as mulheres
são especialistas, como atestam
os números da pesquisa.
Em uma loja de Barueri (SP),
especializada em vender produtos sob medida para quem
quer atingir o alvo sem derrubar uma gota de suor, as mulheres são 85% da clientela. Com o
explicativo nome de Doces Vinganças, a loja vende por mês
1.500 itens como peixes podres,
ovos em pedestais com dizeres
como "para o galinha do ano" e
coisas do gênero - além das citadas no início da reportagem.
"O "presente" é um objeto
simbólico usado para expressar
sensações e coisas que a pessoa
não consegue verbalizar diretamente", justifica a empresária
Kiki Sudário. Os objetos custam de R$ 46 (uma pá de lixo) a
R$ 388 (um par de chifres naturais, incluindo a entrega).
"Concordo plenamente que
as mulheres respondem de
uma maneira mais elaborada
em determinados casos", afirma o psiquiatra Luiz Cuschnir,
coordenador do Gender Group
do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas de São
Paulo, que presta assistência
psicoterapêutica e desenvolve
pesquisas sobre gênero. "As
mulheres elaboram mais e
criam estratégias para atingir
seu alvo", diz.
O problema é que, muitas vezes, a raiva leva a mulher a viver
uma eterna fantasia negativa. A
psicóloga Denise Ramos, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, relata casos de
gente que planeja, com requintes de detalhe, assassinatos que
nunca serão concretizados. "A
mulher fica invadida pelo sentimento de vingança e isso a
impede de se livrar do agressor,
levando a pensamentos obsessivos. Já os homens descarregam mais rápido", compara.
Por outro lado, a reação dos
homens, mais impulsiva, não
costuma medir as consequências. "Eles precisam agir, são levados a ter uma reação imediata quando estão diante de situações que os afrontam diretamente, como é o caso da traição", nota Cuschnir.
Biologia e cultura
Não importa se a pessoa descarrega sua raiva com um soco
na parede ou espalhando mentiras: por trás da agressão, há de
fatores biológicos a culturais e
sociais. "A base da diferença é
física", diz Denise Ramos.
Segundo ela, o corpo do homem, dotado de mais força e
massa muscular, foi equipado
para reagir fisicamente. Já as
mulheres atacam mais verbalmente. "A raiva é igual, mas ela
sabe que não pode competir
com o homem, então precisa
elaborar um plano e segura a
raiva em função dele", observa.
"Isso não quer dizer que a
agressão seja menos cruel."
Para a antropologia social, no
entanto, essa diferença entre os
padrões de homens e mulheres
não é determinada pelo sexo ou
pela biologia -é construída nas
relações sociais. "Essas generalizações soam muito falsas
quando fazemos pesquisa empírica e mesmo quando observamos bem as pessoas", diz a
antropóloga Heloísa Buarque
de Almeida, professora da USP
e pesquisadora colaboradora
do Pagu, Núcleo de Estudos de
Gênero da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"O gênero é aprendido, o que
explica tantas variações entre
sociedades e variações históricas numa só sociedade."
Pesquisas feitas na década de
1930 pela antropóloga norte-americana Margaret Mead
mostram que as reações podem
ser diferentes em outras culturas. Em uma tribo estudada pela cientista, homens e mulheres
eram dóceis, em outra, ambos
eram agressivos e, em uma terceira, as mulheres eram mais
explosivas que os homens.
"Isso mostra como muito do
que achamos serem comportamentos "naturais" são socialmente aprendidos. Desde o
nascimento, os meninos aprendem que podem ser mais agressivos, mas não devem chorar,
assim como as meninas devem
supostamente controlar melhor as emoções e não ser
agressivas, mas podem chorar
mais vezes", observa a antropóloga Heloísa Buarque.
O fato é que a agressividade
existe em todos os seres vivos e
teve um importante valor
adaptativo. Até as plantas usam
seus espinhos para afastar animais que desejam comê-las.
"Ao longo da evolução, esse
sentimento permitiu a reprodução da espécie, a conquista
de território e a obtenção de recursos, garantindo a sobrevivência", diz Galicia.
Há basicamente três tipos de
agressividade: a voltada para
atingir um objetivo, a que visa
exclusivamente à defesa e a que
pretende fazer o mal ao outro.
E nem sempre ela tem uma conotação negativa.
As duas primeiras só se
transformam em transtorno
quando, em nome do objetivo,
pratica-se o mal ou quando a
preocupação com a defesa vira
uma prisão que impede a pessoa de se relacionar com os demais. Já o terceiro tipo é sempre negativo.
"A pessoa pode até experimentar a vingança, mas é um
prazer efêmero e frágil", diz o
psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica
da PUC-SP.
Reações infantis
Tanto esmurrar alguém como planejar uma vingança são
formas imaturas de lidar com a
agressividade. "A capacidade
de análise fica diminuída nesses casos", diz Rehfeld.
"A exposição a modelos inadequados está por trás disso",
diz Galicia. "Se a criança aprende que a violência é uma estratégia válida de interação social,
vai achar que esse é um meio de
alcançar seus objetivos, independentemente do dano causado aos demais."
Já a vingança é sempre negativa, frisa Denise Ramos. "A
pessoa vai agir em função do
outro e, pior, nunca ficará satisfeita, pois não há pedido de perdão", afirma.
"A raiva pode ser um bom
combustível para mudanças ou
destruições irreparáveis",
acrescenta Cuschnir.
O segredo para lidar com as
situações capazes de nos fazer
explodir de raiva? Considerar
as consequências, aprender a
conversar (ouvindo o outro),
reconhecer as próprias emoções e tomar decisões lógicas
-mesmo se a vontade for de
enforcar o indivíduo ou embarcá-lo num cruzeiro para o Alasca sem passagem de volta.
Colaborou JULIANA CALDERARI
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