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s.o.s. família rosely sayão
Quando cumplicidade em família vira encrenca
Algumas leitoras, mães de garotas adolescentes, trouxeram à tona um assunto
bem interessante de ser discutido: a relação
entre mãe, filha e pai nessa fase, em que as meninas estão com a sexualidade a mil por hora
por conta da própria puberdade, superexcitadas com tanto estímulo erótico e em que querem ficar, beijar na boca, namorar, ter liberdade para viver a intimidade com seus pares. O
tema das leitoras é o mesmo: a dificuldade dos
pais para aceitar essa etapa da vida das filhas.
Sabemos que ainda há bastante diferença na
expectativa dos pais a respeito do comportamento de filhos e filhas no que diz respeito à
sexualidade. Para os meninos, o acesso é facilitado e até incentivado; para as meninas, é freado, dificultado. Dizem pais e mães que tudo é
mais complicado quando se têm filhas, devido
ao risco da gravidez. Essa é apenas uma boa
desculpa da vida real para justificar alguns
preconceitos que dizem respeito aos gêneros,
já que todo filho tem pai e mãe, mesmo com a
gravidez ocorrendo no corpo da mulher.
Qual foi o dilema trazido por essas leitoras?
Como mulheres, essas mães sabem muito
bem das dificuldades que o preconceito provoca, pois já o sofreram de um modo ou de
outro e, por isso, decidiram permitir os namoros das filhas. Para viabilizar as primeiras experiências das adolescentes, precisaram esconder o fato do marido porque, claro, as garotas não bancaram a questão sozinhas. Precisaram de apoio e buscaram nas mães, que se
colocaram como grandes amigas das filhas.
A questão é: o que, à primeira vista, parecia
ser a solução de um problema originou vários
outros. O mais complicado, que motivou a
correspondência das leitoras, foi a encrenca
que apareceu quando o segredo se tornou conhecido dos pais.
Então, a vida familiar transformou-se em
um silêncio geral: o pai que não conversa com
a filha e que ficou bravo com a mulher, a mãe
culpada sem saber o que fazer e a filha emburrada com todos porque foi proibida de sair.
Há solução? Claro, e cada família acaba encontrando a sua. Mas o mais interessante aqui é
procurar entender o problema.
Por maior que seja a solidariedade feminina,
não é na cumplicidade que se acha uma boa
saída. Esse tipo de relação entre mãe e filha
tem o poder de produzir a exclusão do pai na
participação da educação da filha e no desenvolvimento de uma etapa importante da vida
dela, e isso traz efeitos bem pouco educativos.
Um deles é o de perpetuar o preconceito: essa
atitude da mãe reforça a idéia de que o pai não
tem condição de superar sua educação cheia
de valores machistas. Outro é a visão de que os
conflitos entre pais e filhos nessa fase da vida
não devem ser explicitados, porque isso tornaria a vida familiar muito conturbada. Pois o
silêncio em família é bem mais prejudicial do
que a expressão dos conflitos.
Talvez a mãe, por ter uma empatia maior
com a questão da filha, possa facilitar o diálogo do pai com ela, funcionando como mediadora. Isso não significa, é claro, garantia de o
homem enfrentar seus próprios preconceitos
e de a filha alcançar o que quer, mas, no mínimo, colabora para uma boa conversa. E, caso
não haja negociação possível de imediato, o
melhor mesmo é que cada um ocupe o seu lugar. O da mãe é similar ao do pai da garota, ou
seja, é essa a melhor aliança, a que pode produzir efeitos educativos. Para todos, e não
apenas para a filha, já que a mãe pode ouvir as
idéias de seu marido e expor as suas também
de uma outra perspectiva.
Já as garotas, sem a cumplicidade materna,
podem até sair ganhando: aprendem a buscar
a autonomia com maior rapidez, a arcar com
suas escolhas e a se comprometer com elas, a
desejar a maturidade para bancar a própria vida e a encontrar os limites da vida familiar.
Como disse um personagem adolescente a um
outro no filme "O Clube dos Cinco": "A vida
em família para o adolescente deve mesmo ser
insatisfatória. Se fosse satisfatória, o jovem
não iria querer sair de casa nem procurar
construir sua própria vida".
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
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