UOL


São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

s.o.s. família rosely sayão

Quando cumplicidade em família vira encrenca

Algumas leitoras, mães de garotas adolescentes, trouxeram à tona um assunto bem interessante de ser discutido: a relação entre mãe, filha e pai nessa fase, em que as meninas estão com a sexualidade a mil por hora por conta da própria puberdade, superexcitadas com tanto estímulo erótico e em que querem ficar, beijar na boca, namorar, ter liberdade para viver a intimidade com seus pares. O tema das leitoras é o mesmo: a dificuldade dos pais para aceitar essa etapa da vida das filhas.
Sabemos que ainda há bastante diferença na expectativa dos pais a respeito do comportamento de filhos e filhas no que diz respeito à sexualidade. Para os meninos, o acesso é facilitado e até incentivado; para as meninas, é freado, dificultado. Dizem pais e mães que tudo é mais complicado quando se têm filhas, devido ao risco da gravidez. Essa é apenas uma boa desculpa da vida real para justificar alguns preconceitos que dizem respeito aos gêneros, já que todo filho tem pai e mãe, mesmo com a gravidez ocorrendo no corpo da mulher.
Qual foi o dilema trazido por essas leitoras? Como mulheres, essas mães sabem muito bem das dificuldades que o preconceito provoca, pois já o sofreram de um modo ou de outro e, por isso, decidiram permitir os namoros das filhas. Para viabilizar as primeiras experiências das adolescentes, precisaram esconder o fato do marido porque, claro, as garotas não bancaram a questão sozinhas. Precisaram de apoio e buscaram nas mães, que se colocaram como grandes amigas das filhas.
A questão é: o que, à primeira vista, parecia ser a solução de um problema originou vários outros. O mais complicado, que motivou a correspondência das leitoras, foi a encrenca que apareceu quando o segredo se tornou conhecido dos pais.
Então, a vida familiar transformou-se em um silêncio geral: o pai que não conversa com a filha e que ficou bravo com a mulher, a mãe culpada sem saber o que fazer e a filha emburrada com todos porque foi proibida de sair. Há solução? Claro, e cada família acaba encontrando a sua. Mas o mais interessante aqui é procurar entender o problema.
Por maior que seja a solidariedade feminina, não é na cumplicidade que se acha uma boa saída. Esse tipo de relação entre mãe e filha tem o poder de produzir a exclusão do pai na participação da educação da filha e no desenvolvimento de uma etapa importante da vida dela, e isso traz efeitos bem pouco educativos. Um deles é o de perpetuar o preconceito: essa atitude da mãe reforça a idéia de que o pai não tem condição de superar sua educação cheia de valores machistas. Outro é a visão de que os conflitos entre pais e filhos nessa fase da vida não devem ser explicitados, porque isso tornaria a vida familiar muito conturbada. Pois o silêncio em família é bem mais prejudicial do que a expressão dos conflitos.
Talvez a mãe, por ter uma empatia maior com a questão da filha, possa facilitar o diálogo do pai com ela, funcionando como mediadora. Isso não significa, é claro, garantia de o homem enfrentar seus próprios preconceitos e de a filha alcançar o que quer, mas, no mínimo, colabora para uma boa conversa. E, caso não haja negociação possível de imediato, o melhor mesmo é que cada um ocupe o seu lugar. O da mãe é similar ao do pai da garota, ou seja, é essa a melhor aliança, a que pode produzir efeitos educativos. Para todos, e não apenas para a filha, já que a mãe pode ouvir as idéias de seu marido e expor as suas também de uma outra perspectiva.
Já as garotas, sem a cumplicidade materna, podem até sair ganhando: aprendem a buscar a autonomia com maior rapidez, a arcar com suas escolhas e a se comprometer com elas, a desejar a maturidade para bancar a própria vida e a encontrar os limites da vida familiar. Como disse um personagem adolescente a um outro no filme "O Clube dos Cinco": "A vida em família para o adolescente deve mesmo ser insatisfatória. Se fosse satisfatória, o jovem não iria querer sair de casa nem procurar construir sua própria vida".


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


Texto Anterior: Alecrim: Paladar real
Próximo Texto: Poucas e boas: Epiléticos devem praticar exercícios
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.