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MEMÓRIA
Não esquecer de exercitar o neurônio!
Falhas de memória costumam ficar mais marcantes na meia-idade, mas há uma série de estratégias e hábitos para ajudar a manter vivas as lembranças
Filipe Redondo/Folha Imagem
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IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um: as chaves de casa.
Dois: o celular. Três:
a agenda. Quatro: a
senha do banco. Cinco: o problema. A senha mudou
e por nada nesse mundo você
consegue se lembrar da combinação de números e letras que
deve digitar. Mas lembra-se
perfeitamente bem de estar na
meia-idade (mais de 40 e menos de 60 anos) e de já ter ouvido que as perdas cognitivas começam nessa fase da vida.
Isso é verdade e, mais importante, inexorável?
Segundo Cathryn Jakobson
Ramin, autora do livro "Esculpido na Areia" (352 págs, R$
49,90, ed. Objetiva), lançado
recentemente no Brasil, a perda da memória nessa fase da vida é um fato. Ao perceber que
sua memória estava falhando
bem mais do que o razoável para uma profissional ativa e que
acabara de chegar à meia-idade, a jornalista norte-americana decidiu investigar o fato.
Após saber que seus amigos
também passavam pelo problema, testou métodos e tratamentos para desenvolver essa
função cerebral. No livro, ela
conta sobre a descoberta de que
é possível preservar e até resgatar a memória perdida.
Para a fonoaudióloga Ana Alvarez, autora de "Deu um Branco" (144 págs., R$ 22,90, ed. Record), entre a quarta e a quinta
década de vida a velocidade para prestar atenção, processar
informações simultâneas e
acessar lembranças diminui.
"Começamos a ter uma perda da capacidade dos órgãos de
sentidos. É, por exemplo, o que
ocorre com a audição, que "perde" informações, principalmente se há estímulos auditivos simultâneos. O deficit no recebimento das informações resulta
em menor fixação na memória." Segundo ela, todo o processo começa junto: a menor
velocidade do processamento
sensorial e a necessidade de
prestar mais atenção quando se
está recebendo informações
sonoras ou visuais demanda
mais esforço para armazenar,
fixar e evocar lembranças.
"As funções cognitivas perdem velocidade, o processo
neural começa a não ser como
antes. Mas isso pode ser revertido: é possível criar novas conexões neurais com exercícios
específicos e medidas como garantir a qualidade do sono",
afirma Alvarez, que trabalha
com reabilitação cognitiva de
pacientes em São Paulo.
"O cérebro é um órgão plástico. Se você o faz trabalhar,
criam-se novas conexões neuronais. Isso aumenta a reserva
cognitiva do indivíduo, incluindo a memória", diz Katia Osternack, neuropsicóloga e professora da Universidade Anhembi
Morumbi. Osternack afirma
que, a partir dos 40 anos, já é esperada uma perda sutil da memória, mas medidas de prevenção podem mudar esse curso.
Exercícios cognitivos e físicos, aprender coisas novas, alimentação saudável e controle
do estresse são atitudes preventivas que, segundo a neuropsicóloga, deveriam ser tomadas durante toda a vida.
Há cerca de um ano e meio, a
arquiteta Cândida Tabet, 52,
percebeu que, do mesmo modo
que exercita o corpo, deveria
exercitar o intelecto. "A ideia
era prevenir. Quero ser dona de
minha inteligência e, para isso,
percebi que devia trabalhar a
atenção e a memória."
Desde então, Cândida inclui
em seu dia a dia várias atividades, que vão de jogos de computador a curso de línguas, além
de prestar mais atenção ao sono e levar a academia a sério. "O
efeito é extraordinário. Fiquei
muito mais atenta e rápida para
memorizar e lembrar."
Para o neurologista Martín
Cammarota, um dos coordenadores do Centro de Memória da
PUC-RS, os lapsos não ocorrem
somente na maturidade, mas é
nessa fase que costumam trazer mais consequências. "Isso
está relacionado ao ritmo de vida agitado e ao número de coisas que uma pessoa dessa idade
tem que fazer", afirma. "De modo geral, o esquecimento relativo a atividades rotineiras é resultado da falta de atenção, que
está centrada em problemas
considerados fundamentais."
O psiquiatra Cássio Bottino,
do Instituto de Psiquiatria do
HC de São Paulo, avalia que até
os 60 anos as pessoas conseguem manter o desempenho da
memória bem próximo do que
era quando jovens. "Realizamos o projeto Clínica da Memória, aberto para pessoas a
partir dos 18 anos. O que vimos
é que, abaixo dos 60, a maioria
que tinha queixas sobre a memória não tinha alterações. O
que havia era muita ansiedade
em relação ao desempenho."
Bottino acredita que, em geral, as dificuldades com memória antes dos 60 anos estão relacionadas a outras causas, como
depressão ou transtornos de
ansiedade, incluindo estresse.
Na opinião do neurologista
Cícero Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo,
a perda é "plenamente evitável", desde que a pessoa mude
sua reação ao estresse e mantenha o cérebro em atividade.
Segundo ele, o estilo de vida
atual favorece o surgimento de
doenças neurodegenerativas.
"O fator emocional é o mais importante. O estresse bloqueia a
produção de novos neurônios e
facilita a degeneração dos que a
pessoa já possui", justifica.
Nas palavras de Cammarota,
"desarranjos de ordem psíquica se cruzam com outro de memória. Se brigou com o namorado, por exemplo, a pessoa pode estar deprimida e não prestar atenção a coisas de que lembraria normalmente".
Ele também defende que, para a maioria das pessoas com
menos de 65 anos, a perda de
memória não está relacionada
a uma doença degenerativa. "Se
você não se lembra de quem é
sua mãe, eu me preocuparia,
mas esquecer a reunião é normal. Para isso, há as agendas."
Bottino lembra que outras
doenças, como hipotireoidismo, podem causar problemas
de memória. No caso, é preciso
tratar a doença de base. Problemas no sistema circulatório,
além de elevarem o risco de acidente vascular cerebral, também aumentam o risco de danos cognitivos no futuro.
A perda de memória associada ao envelhecimento do tecido
nervoso ocorre a partir dos 65
anos. Com essa idade, 1% da população já apresenta demência
e, a cada cinco anos, a porcentagem duplica, segundo Coimbra.
Em todos os casos, e em qualquer idade, os especialistas
afirmam que o envelhecimento
cerebral pode ser retardado,
que é possível recuperar perdas
da reserva funcional do cérebro, formar novas conexões e
ter um desempenho melhor.
"Cuidar do corpo como um todo, praticar atividades físicas e
intelectuais estimulantes são
passos fundamentais para isso", diz Bottino. Desses conselhos, é bom não se esquecer.
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