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s.o.s família - rosely sayão
Violência juvenil e falta de brincar na infância
Em quase todo Carnaval é a mesma coisa:
sabemos de notícias a respeito de grupos
de adolescentes que praticam atos violentos
aqui e ali. Na verdade, isso acontece em quase
todos os lugares lotados de turistas nesses
dias, mas nem sempre a agressão que eles cometem se transforma em notícia. Quem viaja
nesse período sabe como é comum ver -e sofrer- o que eles fazem: sacos plásticos cheios
de xixi ou outro líquido jogados de prédios,
ovo e farinha lançados alternadamente sobre
carros com famílias, empurrões deliberados
em pessoas indefesas etc.
Conversei com três adolescentes -que me
garantiram não ter o costume de participar
dessa farra- para saber que motivos eles atribuem a esse comportamento. Todos deram
razões bem diferentes, mas concordaram em
uma: "É só uma brincadeira". E isso nos faz
pensar. Como esses jovens passaram a infância? É bom lembrar que não se trata de localizar em costumes familiares ou no comportamento dos pais as causas que explicariam esse
comportamento tão pouco civilizado na adolescência, mas de considerar nosso estilo de vida atual.
As crianças hoje quase não têm espaço para
criar brincadeiras que expressem suas emoções e seus conflitos, não é verdade? Os brinquedos já chegam todos prontos, as brincadeiras quase sempre são propostas -quando
não impostas- por adultos e por eles mediadas, em geral elas nem podem lambuzar-se
muito e ficar à vontade porque têm pouco ou
nenhum espaço para experimentar, ousar e
errar com as brincadeiras. Quando erram, logo são repreendidas, mas nem sempre ganham a chance de aprender com o erro cometido.
E é assim que eles passam a infância, inclusive os primeiros anos: "aprendendo" teoricamente coisas importantes como respeitar a si
mesmo e aos outros, respeitar o meio em que
vivem e a vida em grupo. Só que isso eles deveriam aprender na prática, com as brincadeiras
próprias da vida de criança e seus devidos riscos.
O problema é que parece que fica faltando
essa parte na vida delas. Assim, tão logo ganham um pouco de independência em relação
aos adultos, vão fazer tudo o que deveriam ter
feito quando menores. Só que, agora, com
efeitos devastadores para o grupo e, principalmente, para eles -mesmo que não saibam
nem se dêem conta disso. Não foi exatamente
isso que disseram os adolescentes com quem
conversei? Eles não se referiram às atitudes de
seus pares como "brincadeiras"? É, mas brincadeiras fora de hora na vida deles.
Será que esses atos violentos dos jovens adolescentes seriam tão violentos assim se praticados bem antes? Que criança não experimenta impingir a outros o dissabor que sente, por
exemplo? Não é comum também a criança fazer e/ou dizer coisas sem se preocupar se isso
pode ferir, magoar ou provocar sofrimento
nos outros? As crianças também não se divertem -e depois sofrem- quando provocam
ou presenciam uma situação em que outra
pessoa se dá mal? Isso sem contar que elas
adoram checar se o que os adultos dizem é
verdade, como quando atiram ao chão um objeto frágil e querido pelos pais só para testar se
quebra mesmo. Tudo isso é natural no comportamento da criança e provoca um efeito
quando o adulto educador faz seu papel: o
aprendizado sobre a vida com seus riscos e
suas possibilidades, sobre a convivência em
grupo com seus benefícios e os limites que impõe e a constatação de que um ato ou uma decisão sempre tem desdobramentos.
Brincar com liberdade de experimentação,
de exploração, de criação e sem medo de errar
não é apenas um jeito de a criança passar bem
o tempo que tem. Brincar desse modo é importante também para o futuro dela. Que tal
tirar -pelo menos o possível- os limites
inúteis da vida de nossas crianças? Sabemos
que a infância não é um paraíso, mas também
não deve ser uma tragédia; é apenas um drama a ser superado.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.
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