São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2010 |
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COISAS LOUCAS MARION MINERBO marion.minerbo@terra.com.br Atrações fatais na internet
O MARCENEIRO Rodrigo da Silva, 33 anos, matou a médica Glauciane Hara, 39. Ao confessar o crime, alegou que já não agüentava o assédio e as ameaças dela. O relacionamento começou em 2007, pelo orkut. Pelo mesmo orkut ele a rejeitou, de forma cruel e ofensiva. Lembrei de "Atração Fatal", com Glenn Close e Michael Douglas. Para ele, era só um caso, mas a amante rejeitada estava disposta a tudo. Histórias do tipo há aos montes. O que torna a de Rodrigo e Glauciane diferente é a mediação da internet. Num conto de Beatriz Bracher, uma mulher manda um e-mail a um conhecido pedindo seu endereço para lhe enviar um convite. Para surpresa de ambos, uma comunicação preciosa nasce da simples resposta atenta de cada um. O fato de não se verem nem partilharem o cotidiano ajudou a tecer entre eles um delicado envolvimento. Mas por que a comunicação virtual pega fogo com tanta facilidade? Porque a combinação dos elementos não partilhar o cotidiano + ausência de contato físico + resposta atenta faz aflorar rapidamente e com grande intensidade um amor semelhante ao que sentimos por quem cuidou de nós quando éramos pequenos. Nosso primeiro amor foi vulcânico. Com o tempo, conseguimos domá-lo, mas continua pronto para entrar em erupção. Basta que alguma coisa no presente se pareça, ainda que de forma irreconhecível, mas inconsciente, com o que foi vivido no passado, para que a química aconteça e a coisa pegue fogo. Faz parte dessa linhagem o amor da estudante pelo professor, do empresário pela secretária, do paciente por seu analista: um demanda atenção, o outro corresponde. Ocorre também em certo tipo de comunicação virtual. Basta que nos respondam com atenção para que a gente se sinta correspondido. E então aquele amor ressurge com tudo. Talvez tenha sido o caso de Glauciane e Rodrigo. Quanto mais sofrido o primeiro amor (e todos o foram, em alguma medida), mais turbulentas serão as paixões ao longo da vida. O psicanalista conhece bem essas forças: quando afloram, toma todo o cuidado e as usa exclusivamente em benefício do paciente. Mas quando surgem nas relações virtuais, as pessoas não sabem que estão convocando os demônios inconscientes de cada um. E muito menos que, em certos casos, a rejeição é intolerável e o outro pode realmente enlouquecer de dor. Quando percebem, pode ser tarde demais. MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (ed.Casa do Psicólogo) Texto Anterior: Entrevista: "Demoramos mais para fazer as coisas, e fazemos pior" Próximo Texto: Empório: Chocomania Índice |
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